O CRIADOR DE PAISAGENS - Correio da Lavoura

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10 de nov. de 2021

O CRIADOR DE PAISAGENS

Vicente Loureiro


Para alguns, paisagem é a porção do espaço que pode ser apreendida por um simples olhar. Pode ser natural, quando composta exclusivamente por elementos da natureza, ou cultural, por ter sofrido a intervenção do homem. Se assim é, o título desse artigo é um esforço de síntese para definir o que a exposição “O Tempo Completa, Burle Marx: Clássicos e inéditos” causa a um passar de olhos por obra tão seminal quanto gigantesca de um dos maiores paisagistas do mundo no século 20.

Fruto de uma parceria do Instituto Burle Marx com a casa Roberto Marinho, a mostra, inaugurada recentemente no Rio, traz a público, pela primeira vez, a grandeza e versatilidade da obra de um artista de múltiplos fazeres. Ocasião para poder aquilatar o quanto foi persistente e variada a produção artística desse brasileiro genial. Impressiona a qualidade e quantidade dos trabalhos realizados ao longo de mais de seis décadas de dedicação aos variados ofícios por ele abraçados: paisagista, pintor, desenhista, designer, escultor, músico, etc. Só projetos de parques, praças e jardins foram elaborados mais de 3 mil. Quase um por semana. Graças também a uma equipe de fiéis e competentes colaboradores. Parte dela dedicada agora a preservar e difundir suas realizações.


Isso sem falar dos quadros, desenhos, painéis, mosaicos, tapetes, joias e esculturas. Quero destacar aqui, sem nenhum demérito a todas as formas de expressão presentes na exposição, aquela destinada a concepção dos espaços públicos. Talvez por enxergar nela a dimensão mais política da obra do autor, onde seus feitos contribuíram e continuam contribuindo para tornar melhor a vida dos que frequentam os parques praças e jardins públicos por ele projetados. O Aterro do Flamengo no Rio, o Ibirapuera em São Paulo e a Pampulha em Belo Horizonte são exemplos notáveis de espaços públicos promotores da convivência urbana com liberdade e Independência. Aberto a todos sem nenhuma distinção ou barreira.

Projetados em meados do século passado, eles incorporaram, para além das funções paisagística e ecológica, as de contemplação, recreação, prática de esportes e entretenimento. Viraram, a seu modo, exemplos de culto a cidade e a vida urbana por aqui. Espalharam-se pelo Brasil e pelo mundo. É inegável a contribuição desses parques pioneiros na concepção de espaço público essencialmente democrático, vigente entre nós. Isso sem abrir mão dos aspectos estéticos no manejo das espécies vegetais e dos elementos construtivos na confecção dessas novas e convidativas paisagens, tão naturais quanto urbanas. 

Não faz 100 anos que a recreação passou a ser reconhecida no mundo como uma função pública. No Brasil, há muitas cidades que não dispõe ainda de espaços públicos construídos para permitir a população o usufruto do bem-estar do corpo e da mente em contato direto com a natureza. Visitar o acervo dos projetos e obras de Burle Marx nos faz acreditar que a vida urbana pode ser melhor e que os espaços públicos podem, de fato, ser mais acessíveis e acolhedores a todos. O tempo há de completar de parques nossas cidades. Saí da mostra com essa convicção.

*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.