*Vicente Loureiro
Se o critério de comparação fosse o de população residente, os quatro maiores complexos de favelas do Rio (Maré, Rocinha, Rio das Pedras e Alemão) seriam, segundo o Censo de 2022 do IBGE, tão povoados quanto as cidades de Resende, Três Rios, Rio Bonito e Valença, no interior fluminense. Ambos os conjuntos abrigam pouco mais de 300 mil habitantes, havendo entre eles, porém, muito mais diferenças do que essa mera coincidência.
A primeira distinção significativa refere-se à área urbana ocupada pelas quatro cidades e pelas favelas. Enquanto a dos municípios equivale a 81,8 km², a dos complexos favelizados não passa de 10,2 km² - quase oito vezes menor -, ocasionando, portanto, densidades populacionais muito diferentes. As médias variam de 40 habitantes por hectare nas cidades para mais de 400 habitantes por hectare nas favelas. Além disso, os municípios utilizam 20% mais domicílios do que os complexos de favelas comparados.
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| Complexo da Rocinha |
As diferenças não param por aí. No acesso ao Ensino Infantil, por exemplo, o número de creches chega a ser quatro vezes maior nas cidades do que nas favelas, sendo mais da metade delas privadas nos municípios, enquanto, nos complexos, há apenas uma unidade privada. No Ensino Fundamental e Médio, a situação não é muito diferente: contam-se 198 escolas nas quatro cidades do interior - 38% delas privadas - contra apenas 58 nas favelas.
No acesso ao ensino técnico e universitário, as cidades analisadas contam, segundo o Censo, com treze estabelecimentos públicos e privados oferecendo vagas. Nos complexos de favelas, apenas três unidades da Faetec atuam no segmento. Nenhuma universidade, nem mesmo uma faculdade, se aventurou a se instalar por lá. O mesmo ocorre com serviços do chamado Sistema S (Sesc/Senac, Sesi/Senai, Sest/Senat e Sebrae): as favelas só conhecem instalações do Senac e do Sebrae, apesar de nelas residirem muitos trabalhadores da indústria e do transporte. Já nos municípios, todos esses serviços estão presentes.
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| Complexo do Alemão |
A cobertura dos serviços públicos de saúde também revela grandes diferenças. As Unidades Básicas de Saúde, incluindo Clínicas da Família, atendem em média 3.100 habitantes por unidade nas cidades, contra 18.800 nas favelas. Na assistência social, a disparidade é semelhante: a cobertura dos Cras passa de 21.700 habitantes por centro nos municípios para mais de 80.000 nos complexos.
No que diz respeito aos serviços de emissão de documentos de identidade, de acesso a benefícios da Previdência Social e de promoção da Justiça, talvez estejam as diferenças mais sentidas. Mesmo nesses grandes complexos de favelas, segundo o Censo, esses serviços sequer estão disponíveis. Inexplicável.
Há muito a ser feito para que, nesses complexos, a quantidade e a qualidade dos serviços públicos se aproximem das cidades que abrigam populações semelhantes. Retomar esses territórios, como tanto tem sido anunciado, passa por esse pré-requisito: equipará-los às cidades semelhantes, ao menos nas políticas públicas essenciais para uma vida digna e com perspectivas de prosperidade.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa e autor dos livros “Prosa Urbana” e “Tempo de Cidade”.


