*Vicente Loureiro
Participei recentemente de um exercício de futurologia promovido pelo Conselho de Desenvolvimento Sustentável de Cascavel (CODESC), organismo da sociedade civil daquela cidade paranaense, criado para discutir alternativas e produzir cenários para que potencialidades e vocações do município sigam sendo alavancadas, gerando mais oportunidades e riquezas de modo mais sustentável e inclusivo possíveis. Um esforço de medir o futuro com prazo para acontecer: 2050, ano em que a cidade vai celebrar o centenário de sua fundação.
Foram ousados tanto na escolha dos temas quanto nos olhares dirigidos para o que pode acontecer e o que deve ser feito para melhor explorar as possibilidades existentes e previsíveis da cidade e da região. Fazer acontecer o futuro, de forma ordenada e bem distribuída, tem sido prática constante de cidadania daquele lugar que nasceu de uma encruzilhada de caminhos, mas se fez uma urbe planejada desde logo, corrigindo periodicamente seus rumos e olhando sempre para frente. A ponto de se orgulhar de ser uma das melhores cidades do país no quesito planejamento urbano e urbanismo, segundo o ranking Connected Smart Cities, elaborado pela Urban Systens.
Pelo visto, quer continuar sendo quando reúne junto à sociedade civil e ao governo local, especialistas diversos para tentar definir os desafios e as transformações trazidos à vista por demandas não atendidas e outras anunciadas no porvir previsível e mensurável. Orgulhar-se da cidade próspera e bem arranjada, parece ser o mote dessa crença de poder ficar ainda melhor.
Por isso, talvez tenham lidado bem com as especulações trazidas durante o evento. Com olhar atento e aberto às mudanças em curso no mundo e aceleradas pela pandemia, debateram seus possíveis rebatimentos sobre a cidade e o comportamento da população. Passaram os olhos com interesse sobre as recentes experiências internacionais, as chamadas “cidades do futuro” e nas recomendações da nova Agenda Urbana. Discutiram o futuro do automóvel, as novas tecnologias aplicadas à mobilidade urbana, a geração de energia a partir do lixo e as mudanças no modo de construir e usar os edifícios, cada vez mais sustentáveis e autossuficientes.
Não deixaram de ter em pauta também, a questão do adensamento urbanístico e suas variadas possibilidades versus a expansão do perímetro urbano “ad eternum”, considerada às vezes como inevitável. Repassada as razões que pressionam o crescimento das cidades, consagrou-se o entendimento de que o aumento da população urbana não guarda necessariamente proporcionalidade com a ampliação do seu parque imobiliário. Motivadas por razões comportamentais, tipo redução do tamanho das famílias, aumento da população idosa e de pessoas vivendo só, incrementam-se mais as taxas de proliferação dos imóveis em relação a ampliação do número de habitantes.
No caso de Cascavel e dentro do prazo estipulado para olhar para ela no futuro, pode acontecer que a população atual, cerca de 330 mil habitantes, chegue perto dos 500 mil lá em 2050. Um acréscimo, portanto, de aproximadamente 50% dos habitantes atuais. Já os domicílios urbanos, hoje na casa dos 100 mil, podem atingir o patamar de 190 mil unidades, num salto perto de 90% sobre o estoque atual. Pergunta-se: a cidade irá absorver tamanho crescimento mais para os lados do que para cima? Precisará aumentar seu perímetro urbano, hoje com um pouco mais de 100 km2, abrigado um raio de 5 km a partir do marco zero. Ou então fará uso dos instrumentos do Estatuto da Cidade para desovar cerca de 20 mil lotes ainda vagos na sua área já urbanizada?
Ou será que ela conseguirá trabalhar com as duas possibilidades, não comprometendo o padrão elevado de qualidade de vida nem perdendo a chance de fazer a Cascavel do futuro uma cidade onde todas as necessidades básicas estarão perto e acessíveis aos cidadãos e cidadãs. Eles podem ainda não ter encontrado as respostas certas. Porém, com certeza, estão sabendo fazer as perguntas. A cidade de certo saberá agradecer.
*Vicente Loureiro é arquiteto, urbanista e escritor.