CRESCER OU NÃO CRESCER? - Correio da Lavoura

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6 de jul. de 2021

CRESCER OU NÃO CRESCER?

Vicente Loureiro


Parece, mas não é essa a questão principal a ser resolvida pelas grandes cidades brasileiras, principalmente naquelas agrupadas em regiões metropolitanas. A curto e médio prazo, não há como conter a expansão territorial na maioria delas, nem tão pouco é seguro afirmar que parte significativa desse espraiamento urbano não continuará sendo promovido em condições precárias e irregulares e, por vezes, em áreas de risco ambiental ou climático. Se não resolvermos as causas deste fenômeno já corriqueiro e aparentemente incontrolável, assistiremos, cada vez mais impotentes, a degradação dos serviços e dos espaços urbanos comuns a todos, inclusive os localizados em áreas mais nobres e privilegiadas.

A principal razão de praticarmos taxas de crescimento do estoque imobiliário das cidades, bem superiores às verificadas no aumento da população, baseia-se em mudanças comportamentais da sociedade verificadas nas últimas décadas e cuja tendência é de consolidar, senão de acentuar, esta discrepância estatística. Uma delas é o tamanho médio da família brasileira, reduzido de cinco para perto de três membros como atestado já no último censo, aliado ainda ao crescimento demográfico ocorrido nesse período. Não fica difícil concluir que, para uma população maior e composta de famílias menores, mais e mais moradias tiveram e, pelo andar da carruagem, terão que ser produzidas. Outras conquistas, como o aumento da expectativa de vida, a implantação do divórcio e mais gente vivendo só, entre outras, pressionaram para cima a demanda por imóveis. Mesmo com o já confirmado viés de queda das taxas de crescimento demográfico e contando com a retomada da economia brasileira com incremento expressivo do seu PIB, se não houver melhor distribuição de renda teremos mais lenha posta nessa fogueira. Ou seja, seguiremos expandindo sem controle e sem cuidado as nossas cidades.

O preço da terra urbanizada e bem localizada segue sendo uma das incógnitas dessa equação de solução ainda incerta. Tanto o mercado informal quanto o formal de produção de moradias, destinadas a abrigar demanda renovada pela demografia e apimentada pelas conquistas sociais, atuam majoritariamente na gênesis dessa expansão territorial das cidades e metrópoles. A caça de terra barata para plantar um conjunto habitacional ou uma casinha autoconstruída segue a lógica de que expandir é mais fácil e mais barato agora e já. Não importando muito que custe mais caro para sempre e leve todos os serviços urbanos, sem exceção, a um estresse sem fim de seus já insatisfatórios padrões de qualidade e de universalização.

A conta não só não fecha como fica cada vez mais difícil de ser equacionada. No fundo, todos perdem e os custos de tais serviços majoram-se para custear os ‘gatos’ e as inadimplências vigentes nesses territórios periféricos, dominados, em sua grande maioria, pelo crime organizado ou pela milícia.

Outra componente também não resolvida dessa equação é a inconstância de oferta de habitação de interesse social, quase sempre aquém da demanda. Insuficiente, seja por falta de recursos para provê-las em quantidade necessária, seja por falta de capacidade de endividamento e pagamento dos que deveriam recebê-las. O modelo de todos serem proprietários não vingou nem em países ricos e com distribuição de renda muito mais equânime que a nossa. Talvez, esse item do comportamento social em relação à moradia merecesse um grande esforço de deslocamento do desejo ou do significado simbólico da casa própria no imaginário da população. Morar de aluguel não precisa ser sinônimo de instabilidade e insegurança.

Ilusória também é a tese de que tendo recursos à mão, obtido com a melhoria da renda, a população, por si só, dará conta de resolver seu problema de acesso à moradia. A lógica de adensar as áreas já infraestruturadas ou, como se diz, fazer cidade onde ela já existe, requer expertise construtiva além das costumeiramente presentes na autoconstrução. Seja em seus aspectos qualitativos ou quantitativos. A escala e complexidade das demandas habitacionais, sobretudo nas grandes metrópoles, exigirão políticas flexíveis e diversificadas, porém em direção oposta ao laissez faire voluntarista do faça você mesmo.

As cidades brasileiras devem transformar seus planos diretores de desenvolvimento urbano, num conjunto de medidas concretas e exequíveis, capazes de promover a coesão socioterritorial dos que vivem ou irão viver as suas margens. Sem inclusão, não haverá solução.

*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.