ALINHA - Correio da Lavoura

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13 de set. de 2019

ALINHA

*Por Pedro Moacyr C. Brandão Jr.

Quando eu era criança achava que essa catraca triturava gente. E tritura! A linha não é só do trem, mas divide mundos, diversos e desiguais. A linha que divide a Baixada e a cidade do Rio é imensa! Depois de muito tempo sem fazer o trajeto de Nova Iguaçu ao Centro do Rio pela Supervia percebi que ainda me surpreendo (e espero continuar assim) com a diferença de público, e ares, e conforto e tudo mais, tão clara quando passamos para o metrô, mais branco e sem camelôs. A linha que divide o povo é perversa! Depois de participar de uma banca de defesa de mestrado sobre medicalização e autolesão que coorientei, permaneci questionando como muitas soluções para questões sociais são reduzidas à prescrição medicamentosa. A linha entre o normal e o patológico é biomédica! Mas a surpresa maior foi na volta (quando tirei a foto), de pé no trem lotado me surpreendi com a vista, lugares que sempre passei pareciam diferentes lá de dentro: o prédio onde morei até casar; os hospitais onde meus filhos nasceram, o colégio que estudei e o que levo diariamente as crianças, todos bordeando a linha. Tentando me alinhar de pé para não cair com os solavancos do trem, pensei que eu e o povo ali, hoje mais do que nunca, estamos sendo empurrados para um alinhamento sem precedentes, alinhamento de reflexões(na verdade de falta delas), de postura e condições sociais que primam por sua fixidez. Com Universidades e educação sucateadas e um povo que não percebe a linha que os distingue (achando que não há preconceito no Brasil, por exemplo), o futuro que nos espera é tenebroso. A linha que leva à violência é tênue! Dependendo do lado da linha em que estamos somos tratados e julgados de maneira diferente. O pior é que a linha se mantém viva até do lado de cá, na própria Baixada. Aqui a divisão se presentifica da mesma maneira, “do lado de cá e do lado de lá da linha”, como ouvia na minha adolescência, demarcando as condições de vida de cada um. A linha faz litoral, entre a vida e a morte (dos surfistas de trem que avistava da passarela naquele tempo), alinha a vida quando as fronteiras são outras, alinhava a morte, quando ficamos entregues ao Real da pólis, na cidade crua que clama (como os vendedores do trem) vi(r)ver se vale a pena.

*Pedro Moacyr C. Brandão Jr. é doutor em Psicologia pela UFRJ.