ANDANDO POR AÍ - Correio da Lavoura

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9 de mai. de 2019

ANDANDO POR AÍ

O canto livre de Beth Carvalho

Por João da Rua

 Em tempos difíceis, como este que estamos atravessando no Brasil, a impressão que temos é a de que tudo pode piorar ainda mais. As boas notícias – outra forte impressão que nós domina – desertaram de todos os meios de comunicação. Num bar em que estava, já no final da tarde de terça-feira alguém que mexia no celular soltou a informação que nós espantou e entristeceu: “Beth Carvalho morreu”.

A morte de Beth Carvalho, chamada justamente de “a madrinha do samba” por todos aqueles que tinham como referência, a quem, há mais de 50 anos, com a generosidade solidária que a caracterizou o tempo inteiro de sua luminosa carreira, além de ser uma sambista de primeira linha da história da música popular brasileira, ficou marcada como protetora de uma geração de sambistas que surgiu no final dos anos 70 e início dos 80. Uma geração que, seguindo a previsão de Nelson Sargento – “o samba agoniza mas não morre” – manteve viva, é renovada, uma tradição que, para Beth, tinha como sinal de partida sambistas clássicos como Cartola e Nelson Cavaquinho. Dessa nova geração que ela apadrinhou verdadeiramente estão aí Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, o Grupo Fundo de Quintal, Sombrinha, Arlindo Cruz, e tantos outros mais que nesta linha revigoraram o samba como gênero matriz da nossa riquíssima música popular, principalmente a que se construiu no Rio de Janeiro ao longo do tempo, desde o terreiro mítico da casa de Tia Ciata.


Beth marcou sua grande biografia como militante de um ativismo não só cultural, mas também político. Mulher verdadeiramente de esquerda, esteve sempre na defesa das causas que diziam respeito aos grandes interesses do povo brasileiro, de sua libertação e autonomia em face de uma classe dominante das piores do mundo – como muito bem definia Darcy Ribeiro –, e que até hoje insiste em manter, na massa dos milhões de excluídos que mancham até hoje o mapa social brasileiro, as cicatrizes tatuadas pelo açoite da escravidão. Neste sentido, como militante esteve, enquanto Brizola viveu, sempre ao lado do líder nacionalista gaúcho, numa batalha em defesa da nossa soberania e independência, e que hoje se faz mais necessária do que nunca, em face dessa onda regressiva, reacionária, antipopular que tomou conta do governo e, ao que parece, dele não arredará pé enquanto não ser como concluído o seu declarado projeto de desconstrução de uma nacionalidade, da qual, figuras como Beth Carvalho e seu canto libertário, contribuíram para dar vida e voz.