UM BONDE FORA DOS TRILHOS - Correio da Lavoura

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8 de out. de 2025

UM BONDE FORA DOS TRILHOS

*Vicente Loureiro


Não se trata do relato de um acidente. O fato é resultado de mais uma das inúmeras inovações provenientes da China, capazes de encher nossos olhos de espanto e também de algumas dúvidas. Uma fábrica de vagões ferroviários, a CRRC Nanjing Puzhen Co., vem produzindo, desde 2018, um bonde que dispensa o uso de trilhos e fiação elétrica. A novidade está chegando ao Brasil por iniciativa da Agência Metropolitana de Curitiba, no Paraná, para operar uma linha ligando São José dos Pinhais a Piraquara.

Conheci o veículo ainda em fase de montagem e confesso que fiquei bem impressionado com algumas de suas qualidades, como o conforto, a acessibilidade e a facilidade de integração ao tecido urbano existente. É, de fato, um bonde. A única diferença é rodar sobre pneus e poder trafegar tanto em via exclusiva quanto em via compartilhada. Seu sistema de sensores magnéticos o faz funcionar autonomamente, sem a presença de condutor.


Ele já opera em cidades da China e de outros países. Seu custo de implantação pode ser menos da metade do exigido por um veículo semelhante (VLT) sobre trilhos. Além de ser mais flexível, por andar literalmente fora da linha, também inova no abastecimento, recebendo recargas elétricas nas estações. No caso de Curitiba, onde o sistema de transporte “Ligeirinho” funciona há quase 50 anos, com acúmulo de melhorias, ele pode agregar ainda mais qualidade. O tempo dirá.

A versão brasileira está sendo batizada de BUD (Bonde Urbano Digital). Vai circular sobre “trilhos digitais” por meio de sensores, terá um sistema de comunicação terrestre integrado aos sinais de trânsito e contará com direção autônoma, entre outras novidades. Sua capacidade será de até 300 passageiros na versão original, com três carros, podendo ser duplicada quando a demanda exigir.

Os custos de implantação, custeio e manutenção desse novo modal - o BUD - parecem ser, além do conforto, da beleza e da sustentabilidade do veículo, os fatores decisivos para que alcance sucesso por aqui. Custando até 10 vezes menos que o metrô e, em alguns casos, um terço de um VLT, ele poderá melhorar consideravelmente os padrões de mobilidade vigentes em nossas cidades, transportando com segurança e dignidade a população. Um típico caso em que o bom pode funcionar como inimigo do ótimo.

*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa e autor dos livros “Prosa Urbana” e “Tempo de Cidade”.