A EXPERIÊNCIA DE MACÁRIO E AS CONSEQUÊNCIAS DE SER FIADOR - Correio da Lavoura

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8 de out. de 2025

A EXPERIÊNCIA DE MACÁRIO E AS CONSEQUÊNCIAS DE SER FIADOR

*João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho


Eça de Queiroz, no conto Singularidade de Uma Rapariga Loura, narra a história do relacionamento de Macário com Luísa Vilaça e o surpreendente hábito e personalidade dela. Há, porém, uma passagem do conto que reflete a experiência de muitas pessoas: os riscos e as consequências de ser fiador.

Macário, após receber ajuda do “amigo do chapéu de palha” para se aproximar de Luísa Vilaça, com quem pretendia se casar, e também para conseguir trabalho em Cabo Verde a fim de se reerguer financeiramente, foi por ele procurado para servir como fiador em uma quantia elevada, vinculada a um novo empreendimento.

Havia, portanto, uma dívida de gratidão a ser cumprida. Por isso, Macário não hesitou em ajudar o “amigo do chapéu de palha” aceitando ser seu fiador. No entanto, o “amigo do chapéu de palha” desapareceu com a esposa de um militar, e a dívida não foi quitada. As palavras de Eça de Queiroz no conto são representativas: “O que era positivo é que Macário era fiador, Macário devia reembolsar. Quando o soube, empalideceu e disse simplesmente: — Liquido e pago! E, quando liquidou, ficou outra vez pobre”.

A experiência de Macário não é incomum no cenário da Justiça, em que fiadores enfrentam prejuízos significativos em processos judiciais. A fiança é uma modalidade de garantia. No Direito, garantia representa um compromisso adicional: alguém ou algum bem poderá ser responsabilizado caso a obrigação principal não seja cumprida. Além dos contratos de locação, a fiança também é comum em operações bancárias de crédito, como na cédula de crédito bancário (CCB).

O elemento subjacente à fiança é a confiança. Etimologicamente, fiança e confiança têm a mesma origem. A fiança, sob o aspecto jurídico, é um instrumento formal que transforma a confiança em obrigação legal. Sem a confiança do fiador na capacidade do devedor de quitar a dívida, a fiança não se sustenta.

Normalmente, a fiança é solicitada por pessoas com vínculos familiares, afetivos, de amizade ou profissionais sólidos (como sócios). Em algumas situações, há certa ingenuidade ou desconhecimento sobre os riscos envolvidos. Aliás, o fiador não obtém qualquer benefício econômico ou financeiro, pois trata-se de um contrato gratuito. Em geral, há apenas ônus e risco evidente, que deve ser cuidadosamente ponderado. Por vezes, o fiador é o último a saber da dívida e o primeiro a ser cobrado.

Segundo a legislação, a responsabilidade do fiador é subsidiária, ou seja, ele só pode ser acionado se o devedor não pagar. No entanto, nas relações de locação, é comum que haja renúncia ao benefício de ordem, que é a prerrogativa que permite ao fiador exigir que os bens do devedor sejam executados antes dos seus.

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmaram entendimentos desfavoráveis aos fiadores. Por exemplo, o fiador pode perder seu único bem (bem de família), mediante penhora e expropriação, caso o locatário (devedor principal) não quite a dívida, seja em locação residencial ou comercial. Outro risco relevante diz respeito à penhora de parte da remuneração do fiador, desde que não comprometa sua subsistência.

De todo modo, o fiador pode apresentar defesa em processo judicial, alegando vícios no contrato principal ou na própria fiança; levantar questões processuais e nulidades no processo de cobrança ou execução; e apontar eventual excesso de execução, demonstrando que o valor exigido é superior ao devido. Por isso, é essencial agir com cautela ao assumir esse tipo de compromisso.

A experiência de Macário mostra que a fiança, embora nasça da confiança, pode trazer graves consequências e deve sempre ser assumida com cautela.

*João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho é Mestre em Direito e Procurador-Geral do Município de Nova Iguaçu.