QUANDO O TREM PARECIA METRÔ - Correio da Lavoura

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6 de ago. de 2025

QUANDO O TREM PARECIA METRÔ

*Vicente Loureiro


O ramal de Deodoro, da malha de trens metropolitanos operados pela SuperVia, já funcionou com intervalos de 6 minutos, um padrão de metrô. Isso aconteceu em 2016, ano dos Jogos Olímpicos, prova inconteste de que o ramal tem capacidade comprovada de mais do que dobrar os 40,3 milhões de passageiros transportados em 2024.

Deixando escapar cerca de 45 milhões de passageiros por ano, a SuperVia pode ter renunciado faturar, só neste ramal, mais de 2 bilhões de reais desde 2016. Nada mal para quem vive trafegando em crises.

Metrô de superfície de Luanda

Estima-se que apenas o ramal de Deodoro deixou de atrair cerca de 140 mil passageiros por dia útil, impactando principalmente as estações Dom Pedro II, Madureira, São Cristóvão e Méier. Juntas, essas estações perderam mais de 25 milhões de passageiros por ano, mais da metade das perdas verificadas em todo o trecho.

Proporcionalmente, a estação de Madureira foi a que mais perdeu passageiros entre 2016 e 2024: perto de 60%, o que equivale pelo menos 20 mil pessoas desistindo de passar por ela todos os dias, com reflexos diretos sobre o comércio instalado ao redor da estação. O enfraquecimento do fluxo de passageiros compromete não só a lógica da mobilidade, mas a vitalidade econômica de centros de bairro tradicionalmente dependentes da circulação intensa, como é o caso de Madureira.

Metrô de superfície de Lisboa

Já em termos absolutos, a estação que mais sentiu a redução de passageiros foi a Dom Pedro II, onde mais de 100 mil pessoas deixaram de circular por dia útil, algo em torno 600.000 usuários em uma semana. Se somarmos as perdas também verificadas nos outros ramais da SuperVia, não é difícil intuir o quanto o centro do Rio perdeu o status de ser destino e motivo de viagem por trem para muita gente da Região Metropolitana.

Há no ramal de Deodoro estações como Cascadura e Engenho de Dentro que perderam passageiros inclusive durante as Olimpíadas, mesmo com os trens operando com intervalos de 6 minutos, como um metrô de superfície. Apesar dessas exceções, os poucos mais de 20 km de extensão do ramal e suas 18 estações, fora Dom Pedro II, foram capazes de injetar 40 mil passageiros por dia útil no sistema, atraídos por uma oferta e qualidade de serviço até então inéditas.

A experiência do ramal de Deodoro, se estendida aos outros ramais, Santa Cruz, Japeri, Gramacho e Belford Roxo, representaria a maior e mais efetiva contribuição para promover uma mobilidade urbana inclusiva, segura e sustentável na Região Metropolitana do Rio. Além de comprovadamente possível, a ampliação desse padrão tem custos bem inferiores aos projetos de viabilidade duvidosa anunciados para implantação a curto prazo, na área metropolitana do Rio.

Com a palavra, a razão.

*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa e autor dos livros “Prosa Urbana” e “Tempo de Cidade”.