*João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho
O Ministério Público exerce papel relevante na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Sua atuação não se limita ao campo penal, estendendo-se a outras áreas jurídicas, como causas de direito de família e de direitos coletivos em sentido amplo (meio ambiente, saúde pública etc).
Por meio de seus membros, o Ministério Público tem legitimidade para propor diversas ações judiciais relacionadas ao seu campo de atuação, como ações de improbidade administrativa e ações civis públicas. Também pode atuar extrajudicialmente, inclusive buscando soluções consensuais, por meio do termo de ajustamento de conduta (TAC) ou do acordo de não persecução cível (ANPC).
Seja na esfera judicial ou extrajudicial, a atuação do Ministério Público exige a existência de elementos mínimos que a justifiquem. Entre os instrumentos disponíveis, destaca-se o inquérito civil, destinado à coleta preliminar de provas e à apuração de fatos lesivos, especialmente aqueles relacionados a interesses coletivos em sentido amplo. Trata-se de mecanismo voltado à formação de convicção quanto à necessidade de propor ação judicial ou apresentar proposta de solução consensual ao agente causador do dano.
O inquérito civil pode ser instaurado de ofício pelo próprio membro do Ministério Público (ou por designação de autoridade/órgão superior do Ministério Público), assim como por requerimento ou representação de qualquer pessoa.
Por se tratar de instrumento poderoso de investigação estatal, é imprescindível que o inquérito civil seja instaurado pelo membro do Ministério Público apenas em situações relevantes, com o mínimo de elementos probatórios.
A simples instauração de investigação estatal pode gerar ao investigado estigma e consequências jurídicas prejudiciais, inclusive à reputação, especialmente quando há apelo midiático. Aliás, provocar a instauração de inquérito civil contra alguém, atribuindo-lhe conduta ímproba sabendo-o inocente, configura crime de denunciação caluniosa.
Embora seja um procedimento administrativo de natureza inquisitiva, o inquérito civil não afasta o direito de o investigado ser ouvido, apresentar provas, se manifestar por escrito por meio de seu advogado, contribuindo para a formação da convicção do membro do Ministério Público.
Não se devem admitir inquéritos civis de duração indefinida, prorrogados sucessivamente sem expectativa de conclusão, em violação à dignidade do investigado. Nesses casos, é possível impetrar mandado de segurança no Judiciário para assegurar a duração razoável do inquérito. No campo penal, a Lei de Abuso de Autoridade, de 2019, tipifica como crime “estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado”.
No âmbito da improbidade administrativa, houve relevante alteração legislativa em 2021, que estabeleceu prazo de 365 dias corridos para a conclusão do inquérito civil, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à instância competente.
O inquérito civil é instrumento relevante da atuação do Ministério Público, cujo uso deve ser pautado pela responsabilidade e pela prudência, de modo a evitar a instauração e manutenção de investigações ilegais ou arbitrárias.
*João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho é mestre em Direito e Procurador-Geral do Município de Nova Iguaçu.