*Thiago Rachid
A recente divulgação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025 nos acende um alerta doloroso: o aumento dos casos de violência contra crianças no Brasil, somado à persistência da violência contra mulheres, especialmente no ambiente doméstico. Esses números não são apenas estatísticas; eles representam lares onde a segurança deveria reinar, mas onde, infelizmente, o medo e a agressão se instalaram.
Diante desse cenário, surge uma questão urgente: como podemos romper esse ciclo de violência que se perpetua dentro de nossas próprias casas? A resposta, em grande parte, reside na capacidade do poder público, em nível municipal, atuar de forma proativa, oferecendo apoio às famílias através de políticas públicas transversais que previnam esses episódios de violência e minimizem suas consequências devastadoras.
A URGÊNCIA DA AÇÃO MUNICIPAL
O Município é o elo mais próximo do cidadão. É na escala local que as vulnerabilidades das famílias são mais visíveis e onde as intervenções podem ser mais ágeis e personalizadas. Ignorar a complexidade da violência intrafamiliar, tratando-a como um problema exclusivo da esfera privada, é um erro grave. Pelo contrário, é imperativo que as prefeituras assumam a liderança na criação de um ambiente seguro para todos.
A prevenção da violência doméstica não se resume a programas isolados. Ela exige uma abordagem transversal, ou seja, a integração e a colaboração entre diferentes secretarias e setores da administração municipal. Saúde, Educação, Assistência Social, Segurança e Direitos Humanos devem atuar em conjunto, compartilhando informações e recursos para identificar riscos, acolher vítimas e reabilitar agressores.
PILARES DE UMA POLÍTICA PÚBLICA MUNICIPAL EFICAZ
Para combater a violência dentro de casa, os municípios podem e devem focar em alguns pilares essenciais:
- Fortalecimento da Rede de Proteção: É fundamental ter Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRAMs) e Casas Abrigo bem estruturados e acessíveis. Para as crianças, os Conselhos Tutelares precisam de total apoio e recursos, trabalhando em sintonia com Núcleos de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítima de Violência. Essa rede deve oferecer desde o acolhimento inicial até o acompanhamento psicossocial e jurídico, garantindo que as vítimas se sintam seguras para buscar ajuda.
- Educação e Conscientização: A prevenção começa com a informação. Campanhas contínuas e didáticas, que desmistifiquem a violência doméstica e incentivem a denúncia, são cruciais. Além disso, programas educacionais nas escolas, abordando temas como respeito, igualdade de gênero e resolução pacífica de conflitos, podem semear a cultura da não-violência desde cedo. Grupos de reflexão para homens agressores também são ferramentas importantes para quebrar o ciclo da reincidência, focando na responsabilização e na mudança de comportamento.
- Apoio às Famílias e Fortalecimento de Vínculos: Muitas vezes, a violência é um sintoma de outras vulnerabilidades. Programas como o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e o Programa Criança Feliz, executados pela Assistência Social, são vitais. Ao oferecer apoio social e psicológico às famílias, eles ajudam a fortalecer os laços, a desenvolver habilidades parentais e a criar um ambiente familiar mais saudável e protetor.
- Capacitação e Integração Profissional: Profissionais da linha de frente – de agentes de saúde e educadores a guardas municipais e assistentes sociais – precisam ser constantemente capacitados para identificar sinais de violência, acolher vítimas com empatia e encaminhá-las corretamente. A integração entre esses setores é fundamental para que nenhuma denúncia se perca e que o suporte à família seja completo e contínuo.
A violência intrafamiliar deixa marcas profundas nos indivíduos e na sociedade como um todo. Crianças que crescem em lares violentos têm maior probabilidade de reproduzir esse padrão no futuro, perpetuando o ciclo. Investir em políticas públicas municipais para amparar famílias não é apenas uma questão de segurança, mas de justiça social e de construção de um futuro mais digno e menos violento para todos. É hora de reconhecer que a proteção começa em casa, e o apoio para que essa casa seja um porto seguro é uma responsabilidade de toda a sociedade, com o Município na linha de frente.
*Thiago Rachid é advogado e empresário.