*João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho
No livro 1984, George Orwell descreve uma sociedade completamente controlada, em que todos são constantemente vigiados. Muitos gestores públicos acreditam que os órgãos de controle, responsáveis principalmente pela fiscalização, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas, funcionam como verdadeiros agentes de vigilância integral, monitorando cada passo e cada ato do gestor.
Apesar de certo exagero na comparação com a obra de Orwell, é fato que se discute com frequência sobre excessos cometidos por órgãos de controle, além de um possível ativismo em determinados casos.
Essa percepção dos gestores públicos deu origem ao chamado “direito administrativo do medo”, resultando no “apagão das canetas”, situação em que o gestor, receoso de punições por parte dos órgãos de controle, atua com um medo paralisante, evitando inovar ou buscar soluções eficientes e práticas para os problemas que precisa resolver.
Apesar desse cenário, é preciso reconhecer que os sistemas de controle são fundamentais para a boa gestão da coisa pública. Para quem administra recursos públicos, o controle impõe o dever de prestar contas, estabelecido pela Constituição, exigindo responsabilidade e zelo, sob pena de sanções.
Há diversos mecanismos, instrumentos e órgãos de controle, que formam um verdadeiro sistema de controle no setor público. De modo geral, os órgãos de controle no Brasil são autônomos e independentes, com liberdade de atuação, o que reduz a possibilidade de interferência externa ou pressão de outro Poder no exercício de suas funções.
O controle externo é exercido, em geral, pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público. O Poder Legislativo também desempenha essa função em relação ao Poder Executivo. Há ainda o controle interno, obrigatório em todos os poderes, geralmente realizado por controladorias, como a Controladoria-Geral da União (CGU), no âmbito do Poder Executivo federal. Por fim, existe o controle social, exercido pela sociedade e por entidades que utilizam, por exemplo, o Portal da Transparência e a Lei de Acesso à Informação.
Os órgãos de controle externo não podem substituir o papel do gestor nas decisões administrativas, tampouco impor obrigações que pertencem ao campo da escolha política do administrador público. É evidente que o gestor deve pautar suas decisões nas normas e princípios vigentes, sempre em conformidade com o interesse público. Em certas situações, algumas determinações dos órgãos de controle beiram a usurpação de competência e o abuso de poder.
É fundamental que os órgãos de controle atuem de forma mais preventiva e pedagógica, e não apenas de maneira repressiva. A atuação meramente sancionatória tem se revelado pouco eficaz. Por isso, é necessário promover a cooperação e o diálogo institucional entre os órgãos de controle e os controlados, uma vez que uma das funções do sistema de controle é orientar, e não apenas fiscalizar e responsabilizar com imposição de sanções.
Por fim, é essencial que os órgãos de controle reconheçam os obstáculos e as dificuldades reais enfrentadas pelos gestores na administração pública, marcada por desafios como a escassez de recursos, a rigidez das normas jurídicas, o formalismo exacerbado, interferências políticas na execução de políticas públicas e a judicialização excessiva de certos temas.
*João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho é mestre em Direito e Procurador-Geral do Município de Nova Iguaçu.