*João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho
A obra O Processo, de Franz Kafka, retrata o absurdo de um processo em que o acusado, Josef K., não sabe do que é acusado, desconhece quem são seus julgadores, ignora as regras processuais e não tem acesso à publicidade dos atos, de modo que “os expedientes da justiça (...) eram inacessíveis para o acusado e seu defensor”.
Nos sistemas judiciais democráticos, ao contrário, as regras processuais são previamente definidas em razão do devido processo legal, o órgão julgador é identificado, e prevalece a publicidade do processo como expressão da transparência.
No Estado de Direito, a publicidade assegura que os atos processuais são, como regra, públicos, ou seja, não se aplica o segredo de justiça ou sigilo processual de forma ampla. O direito à intimidade cede lugar ao direito fundamental à publicidade.
A publicidade se desdobra em diversas facetas: o conteúdo dos autos do processo judicial, nos quais os atos são praticados e registrados, deve ser acessível; deve haver informação imediata sobre todo ato processual que possa influenciar na esfera jurídica das partes; é garantido o direito de presença das partes e de seus advogados na prática dos atos processuais; audiências e sessões de julgamento devem ser abertas ao público, impedindo qualquer julgamento secreto; as decisões judiciais e os principais andamentos processuais devem ser divulgados em portal oficial específico. Há relação direta entre publicidade e o princípio do contraditório, pois a transparência viabiliza a defesa.
O fundamento da publicidade processual está na necessidade de controle pelas próprias partes e seus advogados, pelo Ministério Público nos casos em que atua, e pelos órgãos judiciais superiores. Além disso, a publicidade funciona como instrumento de controle social, contribuindo para evitar arbitrariedades no processo. Há, portanto, interesse público e direito à informação que legitimam a publicidade no processo judicial.
Embora a publicidade seja a regra geral, há situações em que os atos processuais tramitam em segredo de justiça, como nos casos em que o interesse público ou social assim exigir, em ações de direito de família ou em processos que envolvam o direito constitucional à intimidade, entre outros. O juiz também pode decretar sigilo apenas sobre parte do processo, como, por exemplo, em relação a um documento específico.
Na arbitragem, método amplamente utilizado em conflitos societários e empresariais, em que o árbitro decide a controvérsia por meio de procedimento formal, prevalecem a privacidade e a confidencialidade dos atos, em contraste com a publicidade que caracteriza o processo judicial.
Também na mediação, procedimento utilizado, por exemplo, em casos de direito de família, em que o mediador (terceiro imparcial) auxilia as partes na resolução do conflito, a regra geral é a confidencialidade, e não a publicidade.
Nos últimos anos, a publicidade processual ganhou destaque com a transmissão oficial de julgamentos pelos próprios tribunais, como ocorre no Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, a divulgação de gravações privadas feitas por partes ou advogados, utilizando smartphones, de audiências e sessões de julgamento nas redes sociais passou a gerar intensa discussão sobre a legalidade ou não dessa prática.
A questão é controversa. O §5º do art. 367 do Código de Processo Civil parece permitir que as partes ou seus advogados realizem gravações de áudio e vídeo, independentemente de autorização judicial. No entanto, é necessário agir com cautela e responsabilidade, para que o processo não seja transformado em instrumento de espetacularização, desviando-se de sua função de resolver conflitos reais e concretos.
Diferentemente do processo kafkiano, marcado pela obscuridade e pela exclusão do acusado, a publicidade é inerente ao processo judicial brasileiro e expressa os valores do Estado Democrático de Direito. Ela constitui instrumento de controle e antídoto contra arbitrariedades, viabilizando o contraditório e o pleno exercício da defesa, ao assegurar o conhecimento dos atos processuais e a possibilidade de reação. Sem publicidade, não há processo judicial legítimo.
*João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho é mestre em Direito e Procurador-Geral do Município de Nova Iguaçu.