*Vicente Loureiro
Endereço ao além um pedido especial dirigido ao finado Senador Otávio Mangabeira com objetivo de obter sua autorização para promover uma ligeira, mas oportuna, alteração na famosa frase de sua autoria: “Pense num absurdo, na Bahia, tem precedente”. Com permissa vênia, a frase então ficaria mais ou menos assim: “Pense num absurdo urbanÃstico, o Rio tem um precedente”. Fruto do disposto no projeto de Lei Complementar nº 88 – A/ 2022 de iniciativa do Poder Executivo Municipal e recém-aprovado na Câmara de Vereadores.
Em sÃntese, a lei aprovada propõe legalizar o ilegal, mediante, é claro, uma prévia e polpuda contrapartida paga ao erário. Depositando-se os valores estipulados, aprova-se o que contraria a legislação em vigor. Fazendo o errado virar certo e consagrando o mote de que não vale a pena respeitar a lei, pois haverá sempre um jeitinho. No caso do PL aprovado, autorização para a burla será dada a priori, uma verdadeira inovação urbanÃstica. A prefeitura no passado já cobrava pela “mais valia” oriunda do acréscimo de área construÃda para além do previsto em lei. Agora vai cobrar antes, dando autorização prévia a ilegalidade desejada.
Inaugura-se assim um jeito novo de fazer urbanismo. Desejoso não em regular de forma impessoal e legal o desenvolvimento urbano da cidade, mas sim o de agradar os espertos e ser tolerante como os oportunistas e, pior, de um modo excessivamente flexÃvel. Aceitando os futuros acréscimos fora da lei como fato consumado. Ponho em xeque tudo o que se discute na revisão em curso do Pano Diretor, em termos de potencial construtivo, gabarito das edificações e capacidade instalada da infraestrutura dos bairros, entre outros parâmetros urbanÃsticos determinantes do modo de se fazer a cidade melhor.
Na prática, a nova lei permitirá, por exemplo, licenciar um pavimento a mais do que o previsto na atual legislação para as novas construções, através do pagamento de determinada quantia, uma espécie de outorga onerosa à ilegalidade. Justifica-se tal iniciativa como sendo uma forma de se fazer justiça urbanÃstica via a promoção de uma igualdade de direitos com vizinhos que irregularmente construÃram seus puxadinhos. Como não se reprimiu o mal feito, deixar construir o errado passa a ser o certo. Vai entender!
Para além do andar adicional, a nova lei também permitirá a legalização de puxadinhos vários, o fechamento de varandas, além de autorizar a transformação de hotéis construÃdos para a Copa e OlimpÃadas em edifÃcios para fins residenciais, hospitalares, desde que estejam previstos no zoneamento municipal. A lei mistura questões que merecem tratamentos distintos, incorporando alguns “jabutis” com a finalidade de disfarçar sua motivação principal: a de permitir legalizar construções Ilegais antes mesmo delas existirem.
Todos sabem que a prática de anistias tributárias, fiscais e mesmo urbanÃsticas desestimulam a vontade de pagar impostos ou de construir respeitando a lei. Praticar, portanto, o urbanismo complacente só fará aumentar a noção de que o ilegal e informal no Rio é regra. Já fazer o certo, a exceção.
*Vicente Loureiro é arquiteto, urbanista e escritor.