EMPOBRECIMENTO URBANO - Correio da Lavoura

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26 de abr. de 2023

EMPOBRECIMENTO URBANO

*Vicente Loureiro


O Rio de Janeiro talvez seja um exemplo dos mais emblemáticos de que as cidades brasileiras não conseguirão promover prosperidade com inclusão social mantidas as condições de compartilhamento de tributos e competências gravadas no pacto federativo. Como também, àquelas causadoras da excessiva concentração de renda e oportunidades produzida pelo modelo de desenvolvimento econômico até agora adotado. Fica a pergunta: qual o projeto de reforma tributária e de mudança nos rumos da economia que seriam imprescindíveis para estancar o empobrecimento urbano do Rio e de outras grandes cidades brasileiras?

Os números são impressionantes, apesar de, inexplicavelmente, não terem sido suficientes ainda para emprestar à política de coesão socioterritorial da cidade a prioridade e o foco mais que merecidos. Desde a metade do século passado até 2020, a população do Rio saiu de aproximadamente 2 milhões para estimados 6,3 milhões de habitantes, enquanto a de suas favelas saltava, no mesmo período, de perto de 140 mil moradores para quase 1,4 milhão. Ao mesmo tempo que a cidade triplicava sua população, o número de habitantes residentes em áreas favelizadas multiplicavam-se por dez. O Rio, então, foi ficando absoluta e proporcionalmente cada vez mais pobre.


Nos anos 80, considerados os da década perdida, praticou-se um crescimento mais acentuado da população vivendo em favelas do que na cidade como um todo. De lá para cá, a economia do país não ajudou muito e, a do Rio em particular, sofreu com as consequências cumulativas, oriundas da perda da capitalidade para Brasília, da fusão do antigo Estado da Guanabara com o Estado do Rio de Janeiro, do esvaziamento das atividades financeiras e industriais, até então muito presentes e viçosas por aqui. Outros motivos, também de natureza econômica, política e social, acentuaram os efeitos da decadência provocada e, pior, sequer puderam contar com as devidas e cabíveis compensações ou indenizações financeiras. O Rio, desse modo, perdeu vitalidade. Sua concretude palpável, a cidade construída, acabou por acusar o golpe, debilitando-se urbanisticamente.

Viver as quatro últimas décadas com altos índices de desemprego, crescimento exponencial da informalidade, falta de política habitacional perene, precarização de serviços públicos essenciais como transporte e saneamento, apesar dos notáveis investimentos realizados, fizeram aumentar a sensação de que a vida no Rio já foi melhor um dia. Esse saudosismo crônico atesta um certo grau de impotência diante das consequências e marcas de tantas e sofridas perdas, como as promovidas pela violência urbana, pelos territórios sob o domínio do crime organizado, pela degradação urbanística dos subúrbios, pela favelização crescente, entre outras mazelas.


Não só o Rio, mas outras grandes cidades e capitais brasileiras, sobretudo as localizadas no norte e nordeste, sofreram esse constrangimento da capacidade de resposta, diante das externalidades negativas geradas por modelos de desenvolvimento urbano doentios e excludentes. O que deixa clara a premência de uma revisão do papel do estado, nos seus três níveis de governo, de modo a se estabelecer, de forma harmônica e colaborativa, a exemplo do que acontece no SUS (Sistema Único de Saúde), políticas públicas integradas capazes de conter e reverter esse processo de degradação urbanística até agora incontrolável e que, em algumas cidades, já compromete mais de 50% da população.

O estado brasileiro ainda não conseguiu fazer com que as cidades se desenvolvam saudáveis e sem deixar ninguém para trás. Elas seguem crescendo, alimentando sequelas e entregando pouco a contingentes cada vez mais expressivos de seus moradores. Por conta disso, tornou-se urgente encarar a crise urbana de frente, com medidas remediadoras, mas principalmente com ações de combate à pobreza e a deteriorização dos espaços do viver urbano, pois, juntas, elas configuram a corda e a caçamba capazes de tirar quase 18 milhões de brasileiros da precariedade urbanística e da iniquidade cidadã em que estão envolvidos.

*Vicente Loureiro é arquiteto, urbanista e escritor.