TRIBUTOS À CIDADE - Correio da Lavoura

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14 de set. de 2022

TRIBUTOS À CIDADE

*Vicente Loureiro


É no território urbano ou rural dos municípios onde residem as necessidades básicas das pessoas, normalmente mal ou não atendidas. As de natureza social, como o acesso à educação, à saúde, à cultura e ao lazer, à seguridade social e à segurança pública, entre outras. As de natureza urbanística e ambiental, como a habitação digna, o saneamento básico e a mobilidade universalizadas promovidas num ambiente saudável e em condições sustentáveis. E, ainda, aquelas de natureza econômica, como o acesso às oportunidades de emprego e renda e aos bens de consumo indispensáveis a subsistência. Só para ficar nas mais visíveis e importantes.

Esses serviços tidos como essenciais, muitas das vezes, são obtidos em municípios vizinhos ou até mesmo a uma certa distância. Porém, quando isso ocorre, os custos logísticos, o desgaste emocional e os impactos ambientais provenientes dos deslocamentos não só fazem encarecer como tornam impeditivos o acesso regular e seguro a tais benefícios, indispensáveis a uma vida minimamente digna e com perspectivas de futuro melhor.


Há inúmeras sobreposições entre os níveis de governo quanto a prestação de tais serviços, o que, na maioria das vezes, faz complicar não só a obtenção deles, como seu próprio custeio. Temos exemplos de escolas de ensino básico, centros de saúde, hospitais, serviços de saneamento e de transportes prestados por municípios, estados e pela União. Melhor regulado no SUS, mas de um modo geral prestados de forma desarticulada e com distintos padrões de atendimento. Quando não exercendo, uns sobre os outros, concorrência predatória e ruinosa aos seus objetivos centrais: o de garantir acesso universal e de qualidade a todos os cidadãos.

Fala-se tanto durante as campanhas políticas em reforma tributária e, até mesmo, em impostos únicos ou mágicos, mas muito pouco em como fortalecer as cidades concedendo-lhes condições de arrecadação proporcional as suas responsabilidades e as cobranças que acontecem em seu território, cuja competência de gerir e cuidar é praticamente delas. Mesmo sendo visível e até escandaloso o desequilíbrio entre suas atribuições constitucionais e capacidade efetiva de delas dar conta, via a um financiamento justo e adequado dos serviços inequivocamente municipais. O assunto parece contrariar interesses corporativos ou de sustentabilidade política dos governos estaduais e da União do que receber a atenção mais que devida e urgente, pois vive-se nas cidades e a vida da população só vai melhorar quando e se elas melhorarem.


Não é possível imaginar o desenvolvimento do país com nossas cidades sendo produzidas e reproduzidas na informalidade, com os mais pobres sendo obrigados a viver na precariedade, sem condições de saneamento satisfatórias, em habitações inadequadas, com mobilidade urbana limitada e custosa e com serviços básicos de saúde, educação e cultura prestados em regime de escassez permanente e obrigadas ainda a viver em ambientes urbanos controlados pelo crime, onde a Constituição é ignorada e a democracia plena uma quimera.

Delegar as cidades capacidade proporcional de custear o que lhes é cobrado deveria fazer parte da lista de prioridades dos candidatos a presidente e aos governos dos estados. O financiamento efetivo do desenvolvimento do país passa pela melhoria das condições de vida nas cidades. A elas devemos, acima de tudo, receitas, pois deveres é o que não lhes faz falta.

*Vicente Loureiro é arquiteto, urbanista e escritor.