RECEITAS ADORMECIDAS - Correio da Lavoura

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31 de ago. de 2022

RECEITAS ADORMECIDAS

*Vicente Loureiro


Nas mais recentes concessões de infraestrutura, principalmente as destinadas a mobilidade urbana e conectividade entre cidades e regiões, têm se verificado cada vez mais atenção às chamadas receitas acessórias. Aquelas provenientes não das operações em si, mas sim das oportunidades de negócios por elas alavancadas e voltadas a suprir demandas e necessidades de usuários. Mas não só, pois passaram a ter também participação significativa na composição da receita total em tais concessões.

A experiência brasileira nunca deu muita importância a essas receitas. Por aqui, o óbvio não tem sido ululante, por mais que seja evidente e a experiência internacional assim ateste. Independentemente de se tratar de concorrência para a concessão de aeroportos, portos, terminais urbanos de transporte, estações de mobilidade de trens ou metrôs ou até mesmo de rodovias, o foco sempre se fixou na obra ou serviço a ser concedido e na tarifa capaz de remunerá-lo. O potencial de negócios daí decorrentes ficaram quase sempre desprezados e tratados até com certo desdém.


Os impactos da pandemia nos serviços de transportes e nas necessidades de viagens parecem apontar para uma nova atitude, tanto do poder público quanto das concessionárias. Sejam nos novos projetos ou mesmo nas concessões já em curso, o tema vem despertando interesse das partes. Estudos e análises de potencial imobiliário de ativos a elas vinculados vem sendo elaborados, tentando identificar possibilidades de negócios complementares aos serviços concedidos e capazes de impulsionar as receitas anteriormente tidas como irrelevantes.

A considerável perda de demanda por viagens, em alguns casos associada a uma lenta e distante recuperação de passageiros, levam hoje a necessidade de crescentes subsídios concedidos para promover reajustes tarifários previstos em contratos com dificuldades de serem praticados. Isso parece pôr na ordem do dia a tomada de decisão sobre a realização acelerada de estudos de mercado, acompanhados de análises socioeconômica e comportamentais, destinados a dimensionar as oportunidades imobiliárias em condição de alavancar receitas não previstas e contribuir para melhorar a experiência dos usuários na obtenção dos serviços pretendidos.


Metodologias e técnicas de prospecção de mercado existem e estão disponíveis para transformar demandas não atendidas em propostas concretas de oferta de oportunidades imobiliárias geradoras de receitas e de melhorias nas concessões. Compostas de usos diversificados e passíveis de serem implantadas em estações e terminais de mobilidade urbana, onde o fluxo considerável de passageiros, a localização em centralidades dinâmicas ou até mesmo em vazios urbanos a incrementar são consideradas possibilidades atraentes para instalação de atividades de varejo, prestação de serviços e residenciais.

Grandes áreas do patrimônio público sob concessão dos serviços de transportes encontram-se subutilizadas. Apesar de muitas vezes estarem bem localizadas, seguem a espera de ver suas potencialidades imobiliárias devidamente exploradas, incluindo aí o aproveitamento de seus espaços aéreos para obtenção não só das chamadas receitas acessórias destinadas ao reequilíbrio dos contratos, mas também capazes de fazer as cidades se desenvolverem onde é melhor e mais inclusivo: o entorno dos corredores de transportes de alta capacidade. Com tantos desafios de recuperação e aperfeiçoamento dos serviços contratados não se pode desperdiçar nenhum tipo de recurso. Principalmente aquele proveniente e alavancado pela própria existência do serviço. Nada mais sinérgico e complementar que isso.

*Vicente Loureiro é arquiteto, urbanista e escritor.