O FIM DA MEADA - Correio da Lavoura

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10 de mai. de 2022

O FIM DA MEADA

Vicente Loureiro


Ou melhor, o início do fim, seria esse o título mais adequado para a iniciativa conjunta, em fase final de elaboração, que deverá ser tomada pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e pela ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), com objetivo de acabar com emaranhado de fios e cabos pendurados nos 50 milhões de postes fincados no país. Uma façanha para titãs, mesmo se considerarmos tímida a meta de consertar o uso irregular de 30% deles nos próximos 10 anos e a um custo previsto de mais de 20 bilhões de reais.


Parece pouco, porém, se realizada, pode significar muito. Temos dificuldades por aqui de lidar com promessas realistas e concretizáveis no médio prazo, principalmente as emanadas por organismos públicos. Ver concessionárias de serviços de telecomunicações obrigadas a investir na regularização do uso de postes, visando amenizar a sensação de caos e desordem presentes na paisagem urbana brasileira, gerada pelos fios e cabos que mais parecem ninhos de imaginários “mafagafos” infinitos, não deixa de ser animador. Além da mitigação dos riscos de acidentes impostos à população.

Os postes são de responsabilidade das distribuidoras de energia elétrica. O espaço aéreo entre eles vem sendo alugado às empresas concessionárias de telecomunicações. Porém, produto de uma gestão completamente fora de controle, apenas 40%, aproximadamente, tem algum tipo de contrato formal de aluguel. Resulta daí um caos fabricado, onde as teles e suas inúmeras terceirizadas ocuparam clandestinamente, ou seja, invadiram na maior, espaços que não eram seus, sem dar satisfação a ninguém e, pior, sem pagar nada por isso.  Empresas privadas de um lado invadindo espaço público e, de outro, combatendo os “gatos”. Vai entender?


Com o novo regulamento de compartilhamento dos postes, em gestação final nas agências reguladoras de energia e telecomunicações, a ocupação irregular e sem controle deles parece que pode ter fim. Já não era sem tempo. Só no centro de São Paulo, por exemplo, entre empresas de telecomunicações, fibra ótica, TV a cabo, internet e etc., foram computadas 25, plantando suas redes no emaranhado de fios e cabos pré-existentes. Haja poste. Nos deixa a impressão de possuírem um projeto escondido: o de roubarem, em definitivo, a cena dos nossos principais cartões postais urbanos. Um desserviço mais que visível.

Não só São Paulo, mas também outras cidades no Brasil têm aprovado leis recentemente tentando disciplinar essa malversação do espaço público aéreo. Se não obtiveram ainda resultados efetivos na caça de seus objetivos diretos, indiretamente estão contribuindo para essa mudança de atitude das agências reguladoras. De um modo ou de outro, as cidades sairão vitoriosas deste esforço de retomada do direito a uma paisagem construída livre de obstáculos e empecilhos visuais produzidos pelos fios e cabos plantados sem limite entre seus postes. Até porque, outra alternativa seria tornar subterrâneas as redes de energia e telecomunicações, podendo custar de 10 a 15 vezes mais caro e, portanto, levar muito mais tempo para acontecer. Um exemplo prático de que o bom pode ser inimigo do ótimo, não só por ser mais viável, mas principalmente por poder oferecer resultados bem mais rápido. Resta-nos torcer e cobrar.

*Vicente Loureiro é arquiteto, urbanista e escritor.