Vicente Loureiro
Não há muito o que esperar para 2022 em relação à economia brasileira. As projeções para o PIB são de recessão, com zero vírgula qualquer coisa por cento de taxa de expansão, nos mantendo assim na era do “pibinho”. Para a inflação, as expectativas são um pouco melhores, mas muitos duvidam da redução estimada. Afinal, entramos em um ano eleitoral, costumeiramente de mais gastos.
Mas haverá o que comemorar, para além das frustrações econômicas e seus dramáticos rebatimentos sociais. Refiro-me, por exemplo, ao centenário da Semana de Arte Moderna, transcorrida em São Paulo em 1922. Um evento artístico e cultural que marcou o início do Modernismo no Brasil. Através de uma ruptura com conceitos e padrões estéticos até então vigentes. Acreditava-se, naqueles dias desvairados, em uma Paulicéia perplexa que: “O Brasil é um país condenado ao moderno, desde o seu nascimento”. Ainda que Mário Pedrosa não houvesse cunhado epíteto tão ufanista.
Mesmo que as condições de saneamento básico, moradia e de educação vaticinem não termos alcançado a modernidade, cuja chegada era anunciada faz um século, não se pode deixar de louvar o legado de contribuições para o patrimônio e a identidade cultural brasileira, plantadas naquela semana das mais intensas e transformadoras já vividas em nosso país.
Mas as homenagens já começaram, em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo o PHD em Educação, Claudio de Moura Castro, fala do “primeiro encontro de quatro vestais”. Reportando-se a reunião, no início dos anos 40 do século passado, de quatro virtuosos artistas brasileiros. Todos modernistas em início de carreira, envolvidos no desafio de projetar a residência e o jardim, incluindo móveis, painéis e murais, do industrial e poeta Francisco Inácio Peixoto em Cataguases na Zona da Mata de Minas.
Assim, Oscar Niemeyer, Burle Marx, Joaquim Tenreiro e Portinari aportaram por lá e inauguraram um ciclo de arquitetura e arte moderna, com duas décadas de duração, atraindo um conjunto de outros artistas contemporâneos e que deixaram em Cataguazes obras modernistas de grande significado. A ponto do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 2003, tombar o conjunto histórico, arquitetônico e paisagístico da cidade, abrangendo um perímetro com 60 quadras. Protegendo assim um conjunto de exemplares de arquitetura moderna, projetados por renomados arquitetos brasileiros e acompanhados por jardins, mosaicos, painéis e esculturas de outros grandes artistas também expoentes da arte moderna.
Fazem parte deste acervo, residências, vilas operárias, edifícios comerciais, escolas, hospitais, igreja, um cine-theatro projetados por Carlos Leão, MMM Roberto, Francisco Bolonha e obras de artes de autoria de Djanira, Di Cavalcanti, Emerick Marcier e Bruno Giorgi, entre outros. Todos emprestando a Cataguases o título de patrimônio da modernidade brasileira. Uma cidade que, nas palavras de Mário de Andrade, merecia também ter “o seu sentimento de modernidade tombado” por conta também da obra pioneira do cineasta Humberto Mauro e do Movimento Literário Verde, precursores dessa onda modernista sem similar fora dos grandes centros.
Em 2022, é provável que o testemunho vivo de Cataguases e outras celebrações do centenário da Semana de Arte Moderna nos mantenham em busca do futuro e da modernidade nunca alcançados.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.