MAIS APARTAMENTOS DO QUE CASAS - Correio da Lavoura

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27 de jul. de 2021

MAIS APARTAMENTOS DO QUE CASAS

Vicente Loureiro


Chamou minha atenção a notícia de que São Paulo, em 2021, pela primeira vez, tem mais apartamentos do que casas em seu estoque de imóveis formais destinados à habitação. Estão excluídos desta conta, as edificações precárias localizadas em favelas e loteamentos irregulares e as não precárias, mas ainda não regularizados integralmente. Essa afirmação é fruto de pesquisa divulgada, no início desse mês, pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM), órgão vinculado a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Se considerarmos que faz mais ou menos 100 anos da chegada dos primeiros arranha-céus a capital paulista, inaugurada pelo Edifício Sampaio Moreira, com 50 m de altura, em 1924, a trajetória de sua verticalização foi de longo prazo. Com pinta de ter se intensificado bastante entre 2000 e 2020, quando cerca de 600 mil apartamentos e 150 mil casas foram construídas, numa relação de, aproximadamente, 4 aptos para cada casa. 

O estoque de terrenos disponíveis na cidade, pouco mais de 100 mil lotes, faz supor que esta proporção pode ficar ainda mais acentuada. Não vai levar muito tempo para que se construa, em São Paulo, quase que exclusivamente apartamentos. Não será também surpresa, mantida a quantidade de imóveis verticais produzidas a cada ano, que em pouco tempo eles sejam o dobro das casas. Crescer para cima, plantando edifícios, parece ser a sina de Sampa.


Isto pode ser bom ou ruim. Depende de onde e como ocorra tal trajetória de verticalização do estoque imobiliário residencial daqui para frente. Pode estressar e comprometer a qualidade e o acesso a infraestrutura existente, como pode também, e isso já foi detectado na pesquisa, promover uma certa elitização da cidade, pois edifícios de médio e alto padrão, predominantes no intervalo estudado, são mais caros de fazer e de manter. Mas, por outro lado, uma cidade mais compacta e sabendo aproveitar melhor a infra deve ficar mais atraente e sustentável. Dirigir e orientar esta trajetória será o grande desafio da cidade que não pode e, pelo jeito, não deve parar de crescer.

Assusta um pouco o fato dos pesquisadores terem percebido que, neste período de 2000 a 2020, os instrumentos de planejamento urbano, principalmente os planos diretores e leis de zoneamento então vigentes, tiveram efeito de indução pequeno sobre essa trajetória imobiliária praticada. Como São Paulo vai usar sua caixa de ferramentas urbanísticas para conduzir, da melhor forma, esta tendência cristalizada de cada vez mais verticalizar a cidade, interessa a todos nós moradores de outras grandes cidades ou metrópoles brasileiras.

O modo de construir e transformar a cidade pode ser melhor dirigido, fazendo com que o custo benefício de morar nelas seja suportável e a qualidade de vida oferecida possa ser compartilhada por todos. As cidades precisam da colaboração de todos, inclusive dos mais pobres e eles, por sua vez, vivem melhor nelas. Verticalizar para torná-las compactas, otimizando a infra e serviços urbanos disponíveis e utilizar instrumentos de inclusão de todos, sem exceção, será a equação do futuro imediato para as grandes cidades. A resposta de São Paulo, pelo inegável protagonismo e animadas taxas de renovação do seu parque habitacional, pode ajudar a encontrar a melhor alternativa. Pressão e riscos prometem não fugir do horizonte.

*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.