Um vínculo que nasceu entre plantões do Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI) e foi levado para a vida. Assim pode ser definida a amizade entre as médicas intensivistas Roberta Carvalho, de 33 anos, e Tatiane Gaban, de 41, que trabalham na principal emergência da Baixada Fluminense há cerca de seis anos. Com a chegada do novo coronavírus, ambas foram para a linha de frente enfrentar a doença. O que não imaginavam é que essa cumplicidade seria fundamental na vida uma da outra.
As duas foram diagnosticadas com a Covid-19 praticamente ao mesmo tempo e fizeram quarentena juntas, por poucos dias. Durante este período, Roberta – que chegou a morar em seu carro por um mês para não contaminar seus familiares, que são do grupo de risco – apresentou sintomas graves e foi socorrida por Tatiane para um hospital particular, na Barra da Tijuca, no final de abril, onde precisou ser intubada e travou uma luta pela vida, que teve um desfecho positivo.
Roberta revela que na semana em que foi internada havia feito uma tomografia que apontou comprometimento pulmonar de 25% a 50% por causa da doença. “Quando me vi em isolamento pensei que não poderia ficar 14 dias dentro de um carro com a Covid-19. Foi então que a doutora Gaban, que também estava com a doença, me chamou para ir para casa dela, pois uma faria companhia a outra. Foi ela que acabou me levando ao hospital quando eu piorei”, conta a médica.
A internação de Roberta mobilizou Tatiane, que, além dos plantões, passou a acompanhar a situação da amiga sempre que podia. Ela era uma das responsáveis por enviar informações à família da amiga. “Fiquei preocupada quando soube que Roberta seria intubada. Eu e ela já retiramos do respirador diversos pacientes no Hospital da Posse com outras doenças, então eu tinha bastante esperança que ela sairia do tubo. Meu desespero maior foi quando ela precisou estar ligada em um aparelho que funciona como pulmão e coração artificial. Eu fiquei com muito medo que algo ruim pudesse acontecer”.
As duas haviam combinado de voltar juntas ao HGNI após terminar o isolamento para cuidar dos pacientes com a Covid-19. Com o agravamento da situação de Roberta, apenas Tatiane retornou, mas não sem levar memórias da colega para o plantão. “Eu sempre falava que a presença da Roberta no meu plantão era o melhor que eu poderia oferecer aos meus pacientes e decidi utilizar o pijama dela no meu retorno, passando a sensação de que ela estava ali, comigo. Isso me ajudou bastante”, revela.
Depois de ficar onze dias intubada e sedada na UTI, Roberta acordou. Do seu lado estava o médico que a tratou neste período e do outro a amiga, Tatiane Gaban. “Eu perguntei ao médico se estava viva, ele disse que sim e me pediu para olhar para o outro lado. Virei e tinha uma pessoa toda paramentada. Ouvi dela a seguinte frase: ‘pode ficar tranquila que as crianças estão bem’ e reconheci a doutora Gaban”, ressalta Roberta. “Quando ela me reconheceu, que ela sorriu, eu fiquei emocionada. Estava esperando este momento há dias. Foi uma sensação muito especial para mim”.
Roberta e Tatiane continuam trabalhando nos setores de CTI do HGNI. Embora neste momento não estejam atuando diretamente com pacientes com sintomas da Covid-19, elas mostram entrosamento e reforçam o pedido de prevenção à população. “Fique em casa. Façam o isolamento social pois não acabou! É muito ruim perder um amigo, alguém que a gente ama. Que as pessoas entendam que por pior que seja estar isolado, é melhor do que estar em uma UTI”, alerta Roberta. “Se proteja e proteja sua família, assim estará protegendo o próximo. Fique em casa”, complementa Tatiane.
AMIZADE ENTRE ÀS FAMÍLIAS
Uma das decisões mais difíceis tomadas pelas médicas foi em relação ao distanciamento das famílias. Apesar disso, as amigas decidiram isolar seus familiares juntos. Os filhos de Tatiane conviveram por um tempo com a mãe de Roberta, na tentativa de evitar a contaminação pela Covid-19.
Enquanto isso, elas encaravam diariamente o desafio de estar longe e cuidar dos pacientes em meio a pandemia. Roberta morou em um carro e se afastou da avó, do pai, do marido e da irmã, enquanto Tatiane não visitava a mãe, que também é do grupo de risco, e chegou a ficar 50 dias sem ver os filhos. “Minha mãe ficou isolada com os filhos da Gaban. Foi muito bom porque ela tinha uma distração. Então ela me ajudava e eu ajudava ela”, conta Roberta. “Só pude revê-los no aniversário da minha filha, em maio. Mesmo assim eu fui paramentada até ela. Foi muito difícil”, relembra Tatiane.
EQUIPE DO CTI COMEMOROU MELHORA
Por trás da amizade das duas médicas, estava uma equipe mobilizada pela melhora de Roberta. Os profissionais do CTI do HGNI fizeram orações desejando a pronta recuperação da colega de trabalho.
A técnica em enfermagem Angela Maria Mesquita, de 55 anos, primeira vacinada em Nova Iguaçu contra a Covid-19, relembrou este momento. “Todos rezavam pela doutora Roberta. Lembro que fui até Aparecida do Norte (SP) para pedir por ela. No dia que deram a notícia que ela havia saído do ventilador, o plantão todo se emocionou. Ela me marcou muito, pois está conosco há muito tempo”, reforça.