RELEMBRANDO 1968 - Correio da Lavoura

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9 de set. de 2019

RELEMBRANDO 1968

Por Paulinho Leopoldo


Em 1967 o Mal. Castelo Branco é retirado do Poder pela Junta Militar e Costa e Silva assume a Presidência. No final de mil novecentos e sessenta e sete apresentei-me ao Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Exército para prestar os exames. Avenida Pedro II, 383, São Cristóvão, Rio de Janeiro, onde é hoje o Museu Militar Conde de Linhares. Chegamos bem cedo, meu pai professor Newton de Barros e o irmão mais velho PQD Ney Alberto me acompanhavam. O quartel histórico dos Dragões da Independência, bem no início na mesma avenida, em frente ao Batalhão de Guardas, iria ser nossa casa no ano de 1968. O ano seria difícil para mim. Formatura seis e trinta, saía de casa para o Evanil às quatro e cinquenta. Voltava às treze e trinta para trabalhar no colégio e faculdade de Português/Literatura às dezenove em Madureira. Com todo este ritmo sempre ligado em História. Família de historiadores. Ano complicado. Aprendi desde cedo a enxergar os fatos correlatos. A França teria um maio turbulento. Alunos universitários com manifestações sérias inclusive na Sorbonne. Jean Paul Sartre conversando em assembleias com eles. Final previsto para o governo Charles de Gaulle no ano seguinte. Reflexos daqui para lá? Seria a morte do estudante Edson Luis de Lima Souto um ponto de partida? Foi morto em 28 de março, aos 18 anos, durante a invasão militar do restaurante estudantil Calabouço. Seu corpo foi conduzido a pé do restaurante popular á Assembleia Legislativa e, posteriormente, até o cemitério São João Batista, em Botafogo, sendo acompanhado por aproximadamente cinquenta mil pessoas. Um porteiro do INPS que passava pelo Calabouço também terminou morto. O movimento estudantil com manifestações culmina com a Passeata dos Cem Mil. Relembremos: Paulo VI afirma que “1968 será um ano de paz”. Janeiro de 1968 protestos no EEUU contra a Guerra do Vietnã. Também em janeiro temos a Primavera de Praga. Em abril assassinato de Martin Luther King. Em outubro morrem em manifestações estudantes em Tlatelolco no México. Será que a turma que tanto fala em História se lembra destes fatos? Não citei todos. Existem muitos mais. Será que se interessam? Não estou emitindo opinião. História se faz com relatos e comprovações. O único partido e a única ideologia aqui é a da informação. No Festival da Canção em sua final paulista Caetano com Os Mutantes vê sua música É Proibido Proibir ser vaiada pelo público que dá as costas para a apresentação e os cantores dão as costas para o público. Gilberto Gil recebe um pedaço de madeira no joelho ao apresentar a música Questão de Ordem. Isto em setembro. Há muito o que analisar mas... vamos em frente.
Em Nova Iguaçu a UIE, União Iguaçuana dos Estudantes, tem à frente, dentre outros, o professor Ney Alberto e o jornalista Joel Marinho. Ambos inteligentes e cultos trabalham em prol de uma ligação com os fatos internacionais. O Correio da Lavoura mantém a sua profissionalidade apesar das muitas pressões. Após a Constituição de 1967 delineada pelo AI 4 vem o AI 5 em 13 de dezembro de 1968. Final de ano preparava-me para o baile de formatura do CPOR na Hebraica em Laranjeiras e aguardava o taxista “seu” Lindolfo quando escuto vozes alteradas no portão de nossa casa. O mano Iltinho avisa que tem um pessoal nervoso querendo falar com o Ney. Chego à porta e o jovem alterado vai ao carro e retorna com um senhor que me pergunta por que não estou de prontidão. Pergunto com quem estou falando e ele apresenta sua identidade como capitão Allis. Estava acompanhado do sargento Sena residente em Santa Eugênia. Informo do baile e ele pede que ao retornar pela manhã conduza meu irmão à DE na Vila Militar que receberei melhores informações e deseja bom baile. Lá fomos, às vinte e duas horas, meus pais e a então namorada hoje minha esposa. Contatado o mano ,ao voltarmos, sete e trinta estávamos na DE. Localizado o solicitante da condução era o Primeiro RI, major Rastelly. Ao falar com o major indagara do motivo e recebi a resposta: era do movimento estudantil. Outros lá estavam detidos inclusive o amigo Ary Schiavo. Vida que segue e aprendizado que fica.
“Por isso, a nossa ‘geração de 68’ foi a que mais caro pagou por sua rebeldia, através de prisões, tortura, exílio e até morte”, escreve Zuenir Ventura em seu clássico “1968 – O Ano Que Não Terminou”.

*Paulinho Leopoldo é professor e diretor do Colégio Leopoldo.