*Thiago Rachid
A administração pública municipal, em sua estrutura tradicional, opera a partir de uma lógica setorial. Secretarias de Saúde, Educação, Assistência Social e Esporte funcionam como ilhas temáticas, cada uma focada em resolver os problemas que cabem em sua gaveta. Embora organizacionalmente clara, essa abordagem se mostra cada vez mais ineficiente para lidar com os desafios reais da população. A razão é simples: os problemas de uma família não respeitam fronteiras burocráticas.
Uma criança com baixo rendimento escolar pode estar sofrendo os efeitos da insegurança alimentar, da violência doméstica ou da falta de saneamento em seu bairro. Tratar a questão apenas como um “problema da Educação” é enxugar o chão com a torneira aberta. A família, especialmente aquela em situação de vulnerabilidade, vivencia uma complexa teia de dificuldades que demandam uma resposta igualmente integrada. Insistir no modelo de silos é desperdiçar recursos públicos em soluções parciais que não atacam a raiz do problema. É preciso uma mudança de paradigma: sair do foco no tema e ir para o foco na família.
A ciência nos oferece um poderoso alicerce para essa mudança. O psicólogo Urie Bronfenbrenner, em sua Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, demonstrou que um indivíduo é influenciado por um conjunto de sistemas aninhados e interconectados. O microssistema (o lar, a família), o mesossistema (a interação entre casa e escola), o exossistema (o trabalho dos pais, os serviços do bairro) e o macrosistema (a cultura, as leis) formam um ecossistema complexo. Negligenciar uma dessas camadas compromete todo o desenvolvimento. A teoria de Bronfenbrenner não é apenas uma tese acadêmica; é a comprovação científica de que uma política pública eficaz deve ser, por natureza, multissetorial.
DIANTE DISSO, QUAL O CAMINHO PRÁTICO PARA OS MUNICÍPIOS?
O caminho é a implementação de um Comitê de Gestão Intersetorial de Políticas para a Família. Este comitê, formado por gestores-chave das secretarias de Saúde, Educação, Assistência Social, Habitação, Segurança e outras áreas pertinentes, desenvolveria ferramentas para a atuação transversal em relação aos problemas familiares mais graves, segundo os indicadores e demandas sociais.
Sua função seria estratégica: atuar como um hub de coordenação. Seria o espaço para analisar casos complexos, desenhar planos de atendimento singular para cada família, alinhar recursos e, principalmente, medir o sucesso não por indicadores isolados de cada pasta, mas pela melhoria global dos indicadores de bem-estar da família atendida.
Essa abordagem transversal transforma a gestão. Em vez de uma família peregrinar por diferentes secretarias em busca de soluções fragmentadas, é a administração pública que se articula de forma coesa para servir à família em sua integralidade. A eficiência aumenta, a redundância diminui e, o mais importante, os resultados se tornam mais duradouros e humanos.
Mudar o foco das políticas públicas para a família, apoiando-se em um modelo de governança intersetorial, não é apenas uma modernização administrativa. É a aplicação prática da premissa de que a família é o programa social mais eficiente que existe. É curar o tecido social a partir de sua célula fundamental, construindo uma cidade verdadeiramente mais forte e resiliente.
*Thiago Rachid é advogado e empresário.