E SE O TREM VIRAR METRÔ? - Correio da Lavoura

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18 de mar. de 2024

E SE O TREM VIRAR METRÔ?

*Vicente Loureiro


A profecia de Antônio Conselheiro, eternizada em “Os Sertões” por Euclides da Cunha, de certo modo se concretizou, pelo menos aos olhos atentos de Sá e Guarabira, ao comporem em 1977 os versos da música ‘Sobradinho’. Reafirmando a predição do Beato ao denunciar o desaparecimento, por inundação, das cidades de Remanso, Casa Nova, Sento-Sé e Pilão Arcado, devido à construção da hidrelétrica de mesmo nome. Isso nos faz crer que as ações do homem podem operar milagres, para o bem ou para o mal, dependendo, é claro, do propósito.

O profeta urbano Gentileza bem que poderia ter anunciado que o trem iria virar metrô. E ao contrário do peregrino de Canudos, não seria um mau presságio, mas sim um prognóstico de um futuro melhor para aquela gente, entulhada em ônibus, que diariamente recebia seus versos cordiais de bem-aventurança. Quem sabe sua atitude messiânica, anos a fio plantando esperança no quilômetro zero da Avenida Brasil, não tenha inspirado técnicos e governantes a fazer quase um livramento: o trem funcionar como metrô de superfície?


É verdade que foi por pouco tempo, mais ou menos entre a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, e num pequeno trecho, da estação Central até Deodoro. Mas funcionou muito bem enquanto durou, com trens novos, dotados de ar condicionado e circulando com intervalos em torno de 5 minutos. Sem medo de errar, foi uma iniciativa de sucesso. A ponto de virar uma espécie de profecia autorrealizável, aquele tipo de prenúncio que, por ter se tornado uma crença palpável, alavanca sua própria concretização. Quando? Passa a ser a questão.

Convencido da viabilidade técnica, financeira e operacional dessa transformação, e dos significativos impactos socioambientais por ela gerados, o Conselho de Desenvolvimento Urbano e Habitação da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), coordenado pelo arquiteto Sérgio Magalhães, resolveu botar fé e foco nessa possibilidade. Por entender também que ela se encaixa perfeitamente na orientação estratégica do presidente da Associação, o empresário Josier Vilar, de apoiar projetos exequíveis de baixo investimento e que façam, em curto prazo, a vida do povo do Rio melhorar e os negócios prosperarem.


As avaliações dos estudos levados ao conhecimento do Conselho de Desenvolvimento Urbano e Habitação da ACRJ apontam para investimentos na ordem de 100 a 150 milhões de reais no máximo, para que numa primeira etapa, sejam restabelecidas as condições seguras de operação do ramal de Deodoro da SuperVia como metrô de superfície, assim como realizado no passado recente. Em fases posteriores, outros investimentos seriam necessários para dotar as estações do ramal de acessibilidade, de maior conectividade e integradas a outros meios de transportes e ao entorno urbanístico que as abraçam.

Entende, portanto, o Conselho de Desenvolvimento Urbano e Habitação da ACRJ, que essa transformação só será possível se envolver os três níveis de governo. E se seu papel indutor de uma nova forma de expansão imobiliária da cidade metropolitana, mais compacta e sustentável, for de fato adotado por todos os entes. Permitindo, desse modo, que se faça cidade onde ela já existe, aproveitando inúmeros terrenos públicos e privados existentes na área de influência direta desse ramal, para promoção de um adensamento urbano dirigido e orientado por um modo de transporte de alta capacidade. Configurando-se numa oportunidade ímpar, talvez a única, capaz de ajudar as autoridades a conter a face predatória e precarizada da expansão periférica da metrópole até então verificada. Fazer o que já se provou possível, além de mais assertivo, será mais barato e inclusivo. O trem virar metrô em termos de futuro é o melhor para o Rio.

*Vicente Loureiro é arquiteto, urbanista e escritor.