GRANDE OTELO E TANGERINI - Correio da Lavoura

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9 de ago. de 2023

GRANDE OTELO E TANGERINI

*Nelson Marzullo Tangerini


Fui, certa vez, com um amigo, ao Teatro Fênix, da Rede Globo de Televisão, para assistir à gravação de um programa da emissora. Creio que isto tenha ocorrido nos anos 1980.

Ali, pude conversar com o músico e cantor Cartier, da dupla Burnier & Cartier, com a atriz Ruth de Souza, que foi amiga de minha avó, a atriz Antônia Marzullo, e Grande Otelo (Sebatião Bernardes de Souza Prata), nascido em Uberlândia, MG, a 18 de outubro de 1915. Otelo, que foi um dos grandes de nosso teatro, trabalhou com Antônia Marzullo e Sarita Montiel no filme Samba, uma produção espanhola, e em três peças de meu pai, Nestor Tangerini.

Sentamos para conversar e Otelo foi falando de meu pai e das peças em que trabalhou: No tabuleiro da baiana, Magnífica e Gol, encenadas pelo empresário teatral Jardel Jércolis, pai de Jardel Filho. Estreitamos nossa amizade. Algumas vezes nos encontramos para conversar. Outras vezes conversamos por telefone.

Várias vezes Otelo me telefonou pedindo a letra de “Por mil e quinhentos réis”, samba de Aldo Cabral (Antônio Guimarães Cabral) e Nestor Tangerini. Ele já havia cantado esta música em uma peça de meu pai.

“Não tenho a letra desta música”, disse-lhe. “Vou tentar conseguir uma cópia com Aldo Cabral”. A tal letra dizia mais ou menos assim: “Foi por mil e quinhentos réis que o Brasil foi descoberto. Veio um senhor lusitano...”.

Telefonei para Aldo Cabral e falei-lhe sobre as intenções de Otelo, que queria incluir esta música em um novo espetáculo seu. Aldo Cabral tinha, mas não queria ceder. Havia brigado, um dia, com o ator Grande Otelo. E Cabral era assim: quando brigava com alguém, jamais voltava atrás.

“Em se tratando de Grande Otelo, não autorizo a liberação desta letra para o referido espetáculo”, disse o compositor de "Mensagem".

Certa vez, Otelo me telefonou para assistir a uma peça em que trabalhava, na Cinelândia, centro do Rio. No final, caminhei com o ator até a Lapa, onde tomaria um táxi para sua casa, em Copacabana. Durante alguns minutos, pude caminhar a seu lado na rua, enquanto algumas pessoas nos olhavam atentamente.

O tempo passou. Otelo, que também era compositor e poeta, lançou um livro de poesias suas. Não pude ir à noite de autógrafos porque tinha uma prova na faculdade e fiquei muito chateado. Telefonei-lhe e disse que havia comprado seu livro e que passaria em sua casa para que ele mo autografasse. Otelo estava triste. Havia perdido seu filho Osvaldo e disse-me que estava de viagem para Paris, França, onde seria homenageado. E que, na volta, marcaríamos um encontro e ele autografaria o livro para mim.

“Meus filhos não querem que eu viaje. Porque não ando bem de saúde. Porque estou abalado emocionalmente”, disse o ator.

Mas o teimoso Otelo viajou para a França, onde faleceu, a 26 de novembro de 1993, vítima, talvez, de um AVC. Restou-me, porém, despedir-me de Otelo no saguão do Edifício Gustavo Capanema, centro do Rio, onde encontrei-me com seu filho Pratinha e o escritor (Acadêmico) Josué Montello, entre outros atores e escritores.

Otelo queria me entrevistar em seu programa “Quando conheci teu pai”, da TVE. Infelizmente, Sebastião nos deixou e não pudemos dar um grande depoimento para a História do Teatro Brasileiro.