*Nelson Marzullo Tangerini
Marília Pêra entre seus pais, os atores Dinorah Marzullo e Manoel Pêra (Arquivo Familiar) |
Há dias venho tentando escrever algo sobre minha querida prima Marília Pêra, que nos deixou no dia 5 de dezembro último (2015), após lutar bravamente durante dois anos contra o câncer. A dor que sinto é imensa. Imensa é a saudade que sinto.
Enquanto a vejo no seriado "Pé na Cova", ao lado de Miguel Falabella, entre outros artistas, imagens de momentos em família me vêm à mente.
Recordo-me de Marília em minha casa, em Piedade; recordo-me de minha prima em sua casa, no Edifício Rosa, na Rua Azevedo Lima, no Rio Comprido, onde morou com os pais, os atores Manoel Soares Pêra e Dinorah Marzullo Pêra.
Marília conviveu mais com meus irmãos, seus primos, Nirton e Nirson, que beiravam a sua idade, enquanto eu convivi mais com Sandra Pêra, minha prima, minha irmã, minha amiga, meu amor. Não quero dizer, com isso, que não amei Marília. Eu a amava – e ainda a amo -, mas nossas vidas – diferentes – ela atriz, eu escritor -, nos transformou em pessoas quase que distantes. Mas ainda assim éramos próximos. Netos da mesma avó, a atriz Antônia Marzullo, e do mesmo avô, o italiano Emílio Marzullo, a Marilinha do Rio Comprido e eu nos encontrávamos em festas familiares e em teatros. E nossas conversas eram ligeiras, breves. O que lamento muito.
Quando, em 1990, Marília equivocou-se e apoiou Fernando Affonso Collor de Mello para Presidente da República, a atriz sofreu forte patrulhamento por parte da esquerda festiva que apoiava Lula. Por ser primo de Marília, também sofri com o patrulhamento. Jogavam cocô em minha casa, urinavam no meu portão, um vizinho passava com a bandeira do PT raspando o muro da frente. E ainda fui xingado por um morador, que gritou na rua: “Este cara é primo da Marília Pêra, aquela FDP que apoiou Collor”. O seu talento, a sua estrela de primeira grandeza e sua seriedade no trabalho fizeram com que Marília desse a volta por cima e superasse todo este momento ruim que entristeceu a nossa família.
Quantos artistas visitaram e visitam Cuba, ignorando a ditadura da Família Castro, hoje dona da Ilha, e fuzilamento de pessoas inocentes? Quantos políticos viajaram para a Venezuela para apoiar o ditador Maduro. E quem foi que disse que Stálin foi o maior estadista do Século XX? Então, não foi só Marília que equivocou-se. Outros se equivocaram. E continuam se equivocando – talvez por ignorância; talvez por interesse pessoal.
Durante dois anos, Marília, Sandra e eu tivemos a ideia de mostrar os artistas de nossa família em um livro fotobiográfico: “Marília Soares Marzullo Pêra”. Trocamos muitas figurinhas. Reunimo-nos ora na casa de Marília, ora na casa de Sandra. Foi com grande amor e orgulho que trabalhei neste livro, embora Sandra tenha trabalhado muito mais que eu, que fiquei preso ao magistério estadual.
Vivemos momentos mágicos, ainda que raramente nos encontrássemos. Em minha mente, muitos desses momentos vêm de forma desencontrada. Como o do espetáculo "Alô Dolly", em que Marília estava bela e com todo o brilho de uma grande estrela. A meu lado, minha tia, Dinorah Marzullo Pêra, numa cadeira de rodas, aplaudia e dizia: “Que belo espetáculo!”. Dinorah segurava firme a minha mão, enquanto eu chorava muito emocionado.
Quando Dinorah trabalhava na peça "Que mãe que eu arranjei", espetáculo que assisti inúmeras vezes, costumava acompanhar minha tia até sua casa, no Leblon. No último dia da peça, roubei o cartaz de seu camarim. Quando fui assistir "Brincando em cima daquilo", com Marília Pêra e Gracindo Júnior, levei o tal cartaz para entregar à Marília. Os atores, no final do espetáculo, abriram espaço para uma discussão com o público. Levantei meu dedo, levantei-me e entreguei o cartaz à atriz, que o mostrou para o público: “Dinorah Marzullo, minha mãe”, disse ela. E concluiu “E ele é meu primo”.
Em 2002, quando estive em Portugal, fiz um breve passeio ao Porto, onde um episódio engraçado me aconteceu. Fotografei a casa onde nasceu e morou o poeta Inconfidente Tomás António Gonzaga, o autor de “Marília de Dirceu”, e, logo após, caminhei ao pé do Douro. Atravessei a avenida e entrei num café para tomar uma Coca-Cola. A dona do estabelecimento, pelo sotaque, percebeu logo que eu era brasileiro. E continuou: “Um dia desses uma atriz do Brasil também entrou no meu café para tomar uma Coca-Cola. Assim como o senhor”. Perguntei-lhe que atriz era. Ela não sabia me dizer. “Ela fez algumas novelas e o pai dela era português”. “Marília Pêra?”, perguntei? “Sim, Marília Pêra”, respondeu-me a senhora. E então lhe disse que era primo de Marília. E a senhora ficou emocionada com a coincidência.
Outros momentos belos me vêm à mente e eu vou pondo no papel tudo o que eu possa me lembrar. É difícil acreditar que Marília nos deixou. Nossa família e seus fãs choram a sua ausência. A Marilinha do Rio Comprido, que fazia comédias e dramas e que cantava e dançava continua viva em nossos corações. Não sou a pessoa indicada para dizer isto, mas acho que dificilmente teremos uma grande atriz como ela.
Escrevo esta crônica emocionado. A minha contribuição é pequena, diminuta, mas desejo de todo o coração que Marília esteja, neste momento, envolta em luz. Que ela seja mais uma estrela no céu. Imagino até que ela esteja ao lado Manoel Pêra, seu pai, Dinorah Marzullo Pêra, sua mãe, Abel Pêra, Joaquim Pêra, Maurício Marzullo, Dinah Marzullo Tangerini, seus tios, e Antônia Marzullo, a vovó Antônia.
Escrevo para agradecer a Marília por tudo o que ela fez por nós. “Ave Marília!”