AS EX-CIDADES - Correio da Lavoura

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21 de dez. de 2022

AS EX-CIDADES

*Vicente Loureiro


Cidades só podem ser consideradas como tal quando cumprem algum papel econômico e social, transformando-se na razão de ser do viver dos seus habitantes. Quando, por motivos diversos, tal missão deixa de ser praticada e nenhuma outra é posta no lugar, elas definham, até serem abandonadas em definitivo. Há casos, entretanto, de mortes súbitas, mas com resultados semelhantes: paisagens tristes e sombrias, constituídas por escombros de edifícios em estado de agonia, numa lenta e interminável decomposição.

As imagens de cidades abandonadas chocam, mas, ao mesmo tempo, fascinam. Não há como ficar indiferente. Torna-se implícita a vontade de querer saber como aquele punhado de artefatos urbanos, por vezes sofisticado, pôde ser desconsiderado por aqueles que lhes emprestaram vida e sentido, permitindo-lhe virar uma espécie de defunto insepulto, expondo, quase como assombração, sua impossibilidade de virar pó. Do ponto de vista exclusivamente material, as cidades são quase eternas. Como as pedras.


Palco de batalhas ou disputas por território, cenário de desastres naturais ou causados pela mão do homem, representação física do declínio econômico provocado pela extinção de riquezas ou por projetos imobiliários fracassados costumam ser as causas do ocaso das cidades. Abandonadas mundo afora, contando-se já em dezenas de milhares e presentes em todos os continentes. Pouquíssimas conseguem se reinventar. Podendo se considerar milagre a ressurreição de uma cidade que perdeu a vontade de viver.

Porém, há iniciativas polêmicas de tentar ressuscitar áreas urbanas de vida vegetativa como as aplicadas em cidades com hora para abrir e fechar todos os dias, recebendo turistas sem sequer lhes permitir o pernoite. O caso de San Geminiano, na Toscana, talvez seja um dos exemplos mais paradigmáticos de lugar onde muita gente vai, mas quase ninguém mora. Um outro esforço em manter a cidade respirando por aparelhos é o da política de “casa por 1 euro” deflagrada inicialmente na Itália, mas já adotada em outros países da Europa, tentando levar moradores para vilarejos em estado terminal.


Isso sem falar dos feitos exitosos de transformar uma ex-cidade em destino turístico com visitação diária programada e apresentadas muito mais como sítios arqueológicos do modo de viver urbano de outras épocas, como a badalada Pompéia e a cidade de Hashima, uma ilha do Japão, declarada também Patrimônio Mundial pelo Unesco e set de cenas do filme do “Skyfall”, do agente 007. Lugares onde o futuro reside definitivamente no passado.

Mas há novidades. E elas vêm da China, onde grandes cidades recém construídas, atendendo ao lema “construir primeiro, povoar depois”, encontram-se também praticamente abandonadas. Como Ordos e Kangbashi, entre outras, preparadas para receber um milhão de moradores, mas que nem 5% disso as habita. São cidades concretas, mas que ainda lhes falta alma. Nasceram de certo modo fantasmas, um simulacro do futuro de si mesmas.  Provavelmente, serão ocupadas, pois não falta gente por lá. Difícil saber se terão ou não jeito próprio de cidade. Permanece a dúvida: será possível ressuscitar ex-cidades? Conceder-lhes novamente o dom da vida? Epecuén, um chique balneário argentino completamente destruído por inundação em 1985, ressurgiu recentemente das águas, quase como a Fênix. Terá, como o pássaro da mitologia, força para reviver de fato ou será para sempre uma ex-cidade?

*Vicente Loureiro é arquiteto, urbanista e escritor.