*Leandro Miranda
O presépio da Catedral de Santo Antônio desse ano traz uma arte puramente iguaçuana, que se insere num panorama brasileiro - e até universal, em se tratando de arte sacra. Mas chegar a um conceito desse nível requer muito mais do que ter talento ou um jeito para a arte, são necessárias muito estudo, pesquisa, experiência profissional em várias linguagens artísticas, disposição, determinação e até renúncias para ter o resultado almejado.
Falar em identidade cultural, dentro de um contexto nacional, é preciso voltar no tempo e nos ideais de Dom Pedro II, o primeiro a sonhar com um Brasil que tivesse uma identidade visual própria e investiu muito nisso. A ponto de mandar jovens talentos brasileiros para estudar na Europa, como por exemplo, Carlos Gomes, autor da ópera ‘O Guarani’, que fez o mundo se curvar ante a cultura brasileira que estava se desenhando. Também o pintor Victor Meireles, um dos mais importantes representantes de nossa pintura histórica.
A partir desses exemplos do século XIX e com a necessidade de nosso povo em encontrar sua própria linguagem e autonomia, o século XX começaria com movimentos nacionalistas como o ‘Neocolonialismo’ e, em seguida, o ‘Movimento Modernista Brasileiro’. Esse último, definitivamente, apontaria para uma busca incessante do que era ser brasileiro e na afirmação da identidade cultural nacional dos mais diversos representantes da intelectualidade e da arte. Influenciaria a preservação patrimonial, artística e histórica na criação do SPHAN (atual IPHAN), na música de Villa Lobos que influenciaria Tom Jobim e a Bossa Nova, a pintura de Di Cavalcanti, Portinari e Tarsila do Amaral, o Cinema Novo de Glauber Rocha, as Chanchadas que valorizariam os personagens populares, colocaria o samba como uma expressão nacional, o Tropicalismo de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Tom Zé, faria criar a Música Popular Brasileira (MPB), afirmaria o carnaval e os desfiles de escolas de samba como uma expressão brasileira e a maior festa do mundo etc. Influenciaria até a política de Juscelino Kubitschek e a construção de Brasília, projetada pelo urbanista Lúcio Costa e o arquiteto Oscar Niemeyer, dois grandes representantes e pesquisadores da identidade cultural brasileira.
Por doze 12 anos morei e trabalhei no Rio de Janeiro e cheguei a fazer uns trabalhos de arte em São Paulo, mas confesso que algo em mim não ia muito bem; eu sentia uma certa insegurança diante de outros artistas que traziam as identidades de suas regiões muito bem definidas. Até que percebi que o que faltava em mim era a identidade cultural de minha localidade, pois, como pode um artista de uma região não a conhecer, a ponto de expressar isso em forma de arte e ser um representante dela ante a outros? E esse foi um dos fortes motivos que me fez voltar para Nova Iguaçu, primeiro era preciso me encontrar, me revisitar, achar o meu espelho. Como disse Fernanda Montenegro na inauguração da Casa de Artes de Laranjeiras (CAL): “O artista precisa se perder para se encontrar”. E eu não fugi à essa regra.
Por isso, desde 2005, quando criei uma praça inspirada em Iguassú Velho, além de outros projetos que tentei apresentar para pessoas influentes da cidade, tinha (e tem) esse propósito, investir, investigar, estudar, buscar e encontrar o que faria de mim um artista mais completo, a “minha” identidade cultural, que aos poucos fui descobrindo não ser somente minha, mas de uma região. Isso explica o porquê tenho renunciado voltar para o mercado profissional do Rio de Janeiro ou de São Paulo, não só por conta dessa busca incessante e incompreensível para muitos, mas pelo profundo amor que fui encontrando na beleza do que somos, que represento, espelho como artista, que se tornou um ideal de vida e sinto que não posso levar para outro lugar. Esse é o resultado do trabalho que insistentemente tento mostrar para todos e que ainda me faz ‘tirar leite de pedras’ (talvez ainda seja um resquício de nossas velhas pedreiras); mas na certeza de que todos vão compreender meu ponto de vista e a importância dessa busca incessante para todos nós.
O investimento na formação também se faz muito relevante nesse processo, tanto as autodidatas, quanto acadêmicas e as experiências profissionais, que nos calçam, nos referenciam, nos direcionam e nos faz entender o processo pelo qual passamos. Uma andorinha só, pode até voar muito bem, mas não traz o verão. Por isso é importante o apoio e reconhecimento social, tanto institucional, quanto político e, principalmente, o empresarial, pois a cultura é uma herança e legado de todos; então o suporte ‘desses todos’ é fundamental. A arte como expressão cultural de uma localidade é uma grande vitrine, pois é através dela que outros, ou todos, podem identificá-la, defini-la e conhecer melhor a sociedade onde ela se manifesta e em que nível de desenvolvimento ela se encontra; e isso toca no marketing. Mas é somente através dos artistas e dos mais diversos agentes culturais profissionais, é que ela pode ganhar corpo em inúmeras expressões artísticas e, assim, nos explicar para nos conhecermos e, com isso, nos projetarmos. E Nova Iguaçu precisa de Nova Iguaçu, espero que entendam, pois, se não nos dermos o devido valor, quem dará?
Desejo a todos um Feliz Natal e um Ano Novo, novo, para todos.
*Leandro Miranda é um artista multimídia iguaçuano e membro da Comissão para os Bens Culturais da Diocese de Nova Iguaçu.