NOVA IGUAÇU E A EXPRESSÃO “E A VACA FOI PRO BREJO” - Correio da Lavoura

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17 de set. de 2021

NOVA IGUAÇU E A EXPRESSÃO “E A VACA FOI PRO BREJO”

Por Leandro Miranda


Em 1710, a cidade do Rio de Janeiro se via sob ameaça de invasão por parte dos franceses lideradas pelo Capitão Duclerc, que se viu derrotado pela defesa da cidade. As circunstâncias decorrentes da morte de Duclerc, originaram na França um clima de represálias e, no ano seguinte (1711), uma nova invasão francesa liderada pelo Capitão Duguay-Trouin se daria, devido a cobiça gerada pelas riquezas aqui existentes.

Embora o Rio de Janeiro contasse com boa defesa contra aos franceses, a situação entrou em colapso entre os dias 15 e 19 de setembro e, sob fortes ameaças, o pânico e o desespero tomaram conta da população. Ante a situação desesperadora, o Governador Francisco Castro de Moraes reuniu um conselho de guerra, onde as opiniões divergiram, mas o conselho resolveu que a melhor solução era o abandono da cidade. O fato é que o Governador carioca se revelou falto de decisão e energia. Não demonstrou qualidades capazes de incutir confiança em seus subordinados. Não soube retardar o inimigo. Quase nada fez para expulsá-los da cidade.

A Região de Iguassú, por essa época, era considerado um local de brejos e pântanos, e faz sentido isso, porque o próprio nome Iguassú vem do tupi-guarani I-Guazu, que significa rio grande, ou grandes águas, o que daria em “região com rios de grandes águas”. As cheias e tempestades faziam tais rios transbordarem e formarem grandes “enxarcados” resultando em largos brejos e pântanos.

Monsenhor Pizarro, um visitador eclesiástico do final do século XVIII (1794-1795), deixou registrado um vasto relatório de suas visitas às diversas regiões da Diocese do Rio de Janeiro, em nome do Bispo Dom José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco, chamado “Memórias Históricas do Rio de Janeiro”, relata assim tais fatos:

“Da elevadíssima Serra Jerixinó (...) se originam vários Rios, que abundantes comnunicam às terras d’este districto (...), por onde se divide a mesma Freguesia [São João de Meriti] com a de Santo Antônio de Jacutinga, se forma, junto à Fazenda de S. Matheus, um pântano, do qual nasce o Rio Piohim, cuja grossura he aumentada por outras águas, ou descida de lugares altos, ou depositadas pelas chuvas. Para esse pantanal aflue a Cachoeira Grande, que se fermenta na Serra do mesmo nome, e está nos limites as Freguezia de Jacutinga: e misturadas umas ás outras aguas, confluindo igualmente as dos lagos, e campos, por que passam, se ensoberbecem á ponto de negarem passagem á cavalo (...) Conservando a Cachoeira Pequena o seu nome, até se confundir com o Rio Piohim, ahi o perde, substituindo-lhe a denominação d’esse Rio, porque he conhecido até á estrada do território de Jacutinga, onde se principia á ser Rio de Santo Antônio; mas na Fazenda do Brejo, em que há uma Ponte, toma o apelido de Rio do Brejo (...) ( Pizarro, Monsenhor; Memórias Históricas...; Tomo III; pg. 16-17).

“...para substituí-lo na Commandaneia do Rio de Janeiro pareceu mui apto Francisco de Castro Moraes, que havendo governado a mesma Praça por ausência de Artúr de Sá (...) se achava nos termos de merecer o provimento livre desta Capitania. Com Patente de simples Governador, lavrada à 27 de Novembro de 1709 (...) se empossou de Bastão no dia 30 de Abril de 1710 em cujo anno, emprehendia a tomada da Cidade por inimigos Francezes; deu a conhecer a sua insuficiência, e cobardia, pela pouca resolução no modo, e meios de defender a Casa, do que era senhor, tendo socorros competentes para vedar a hostil entrada, e as ruinosas consequencias que d’ella resultarão. Sendo feliz o sucesso da então pela actividade comum dos habitantes, e das Tropas Militares, não teve o mesmo êxito a segunda invasão de 12 de Setembro de 1711, pela pusilanimidade [fraqueza de ânimo, falta de energia, de firmeza, de decisão] d’esse Cabo Militar e Governador, em cujas mãos depositara o Soberano a segurança da Praça, a boa fortuna do Estado, e dos Povos, e também o crédito da Nação, pelas cautelosas disposições, de que antes fora avizado. Com a fuga vergonhosa, rápida, e intempestiva para o districto de Iguassú, distante da Cidade algumas legoas, na noite do 5º dia da entrada dos inimigos, deixando tudo ao saque, e o Povo sem direção entregue ao desamparo, (...) constrangidamente voltou á Capitular [concertar sob determinada condição] o resgate da Praça, dando a prova mais authentica da sua fraqueza excessiva: e o Povo afrontado por esse procedimento assas indecoroso, cerificando-se da perfídia [deslealdade] de quem o governava, não só lhe negou obediência, mas agradecendo a traição, recommendou á posteridade o heroísmo do seu Commandante, fazendo conhecer o autor de tanta desgraça pelo appellido de = VACA= com que ainda hoje o refere a Tradição. Provado legalmente o máo comportamento de Moraes por uma Alçada de Ministros Régios, que em conformidade do Alvará de 22 de Junho de 1712 passáram á Sentenciar os culpados n’essa época, foi premiado com o degredo, e carcere perpetuo n’uma das Fortalezas da India, para onde fez Caminho” (PIZARRO, Monsenhor; Memória Históricas...; Tomo IV; pg. 127/128).

Sendo assim, a expressão e a tradição deixada pelo povo carioca, a que se refere Monsenhor Pizarro, se trata de que os franceses invadiram a cidade e a “Vaca” foi se esconder num local de brejos, à época o distrito de Iguassú. Então, a expressão “e a vaca foi pro brejo” tem tudo a ver com Nova Iguaçu. Não é difícil imaginar os cariocas à época se referindo ao fato da invasão francesa e dizer: “Os franceses tomaram a cidade enquanto a Vaca foi pro brejo”; “Por que invadiram a cidade? Porque a Vaca foi pro brejo”; “Os franceses invadiram a cidade e a Vaca foi pro brejo”.