Vicente Loureiro
Tentando responder essa questão, Viena, a capital da Áustria, organizou uma exposição internacional de habitação de interesse social que irá até o outono de 2022. Aproveita para celebrar os 100 anos da Red Vienna: um programa abrangente de moradia popular que propunha fazer dela uma cidade com ambiente urbano mais justo para a vida moderna. Parece ter conseguido. Afinal, tal projeto é considerado o mais extenso e o melhor programa de habitação social de toda Europa. E Viena, por sua vez, ostenta, por conta disso também, o título de cidade mais habitável do mundo.
Tudo começou logo após a Primeira Guerra Mundial. Viena era uma cidade devastada pela fome, miséria e desemprego. Tinha muita gente vivendo em barracos ilegais na periferia em condições indignas. Nas primeiras eleições livres para o Conselho Municipal, realizada em 1919, os sociais-democratas assumiram o comando da cidade e lançaram um programa habitacional recheado de inovações. Calcado em convicções ideológicas do tipo: construir uma cidade digna de ser vivida por todos, onde habitação, serviços sociais e instituições culturais possam ser distribuídas por toda a cidade. Na verdade, um projeto de mudar a sociedade mudando a cidade. Utilizando, para tal, a implantação de 400 gemeindebautens (edifícios públicos de habitação social) como catalisadores sociais. Verdadeiros veículos de transformação urbana. Por meio deles, Viena criou uma vasta infraestrutura de serviços de saúde e bem-estar. Composta por clínicas, escolas, creches, instalações desportivas, bibliotecas, etc.
Talvez, o exemplo mais emblemático desta exitosa política de desenvolvimento urbano, capaz de em 7 anos construir 64 mil apartamentos com toda infraestrutura social para abrigar cerca de 250 mil pessoas, 10% da população de toda a Viena à época, seja o Karl Marx Hof. O nome não é por acaso. Complexo habitacional formado por um único edifício, na verdade um superbloco, considerado o mais comprido do mundo com perto de 1,2km de extensão, contendo 1382 apartamentos para até 5 mil moradores. Ao contrário do que se possa imaginar, o resultado não é de um prédio monótono e desprovido de valor estético. Suas torres, oriéis (janelas salientes), arcos, jardins e as formas e cores dos elementos da fachada, o transformaram num marco da arquitetura, um carismático símbolo político e ideológico de uma época.
Baseada nesta vasta experiência do Modelo Viena de produção de moradia popular e levando em conta os desafios para se prover habitação digna para todos na cidade do século 21, é que eles resolveram oferecer ao mundo essa Exposição Internacional de Habitação Social (IBA- Viena) com objetivo de estimular e apoiar inovações para o futuro da habitação social. Para tanto, selecionaram e construíram 49 empreendimentos urbanos, transformados em objetos da exibição. Apresentando alternativas para a nova habitação social. Respeitando uma estrutura básica presente em todos eles: acessibilidade econômica, condições seguras de moradia e padrões contemporâneos para um ambiente de vida digno.
Com 100 anos de tradição e sucesso, Viena deseja apresentar com esses empreendimentos habitacionais notáveis, o modo como viveremos amanhã nas cidades: em prédios de uso misto e aberto, implantados em bairros animados com alta qualidade de vida e caráter urbano. Promovendo, assim, o desenvolvimento denso, porém sustentável das cidades. E utilizando materiais e tecnologias de baixo impacto ambiental, o máximo de recursos renováveis e energia limpa. Estimulando ainda soluções com participação dos usuários, desde a escolha do local, passando pela concepção do projeto até a conclusão das obras. Envolvendo-os em cooperativas de construção visando redução de custos e estreitamento de laços comunitários capazes de, no futuro, dividir não só custos de manutenção, mas sobretudo espaços e atividades compartilháveis.
Estão convencidos da existência de inúmeras provas de que métodos e modelos convencionais de produzir cidade não são capazes de lidar com os crescentes problemas urbanos. Querem, com essa exposição, apresentar resultados concretos e construídos. Esperam eles que possam assim ajudar a moldar a nova habitação social no mundo pós-pandemia. E não só em Viena. Parecem não ter os vienenses dado ouvidos a alguns modismos ideológicos tentando afastar as cidades de sua razão de ser essencial: trabalhar para construir uma vida urbana em torno de objetivos de equidade social e oportunidades, entendendo o ato de morar em todas as suas implicações econômicas, sociais e ambientais. Desafiando a arquitetura e urbanismo a responder criativa e adequadamente a esse urgente problema político.
*Vicente Loureiro é arquiteto e urbanista.