FIO DA MEADA - Correio da Lavoura

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24 de jun. de 2020

FIO DA MEADA

POR VICTOR LOUREIRO


Sempre visito meu irmão que mora perto do Fórum. E, em tempos pré-pandemia, todas as vezes que saía da casa dele, descia a Rua Juiz Alberto Nader até a esquina da padaria e, ao passar pelo Conversa Fiada, costumava dar uma meia parada para ver se via o Robinson numa das mesas, algumas vezes às gargalhadas (quase sempre), noutras, solitário, às vezes rodeado, na mesma mesa, por gente simples do povo, doutores e políticos. 

Robinson dialogava de perto com o povo brasileiro. Dono de um humor ácido, assustava uns e aproximava outros; mas os que se afastavam, desistiam e logo retornavam ao berço de um discurso agudo, lúcido e, como ele sempre lembrava, negro. Quanto aos que se aproximavam, ficavam a desfiar a longa lista de assuntos que poderiam contar com uma boa tirada, uma boa piada ou uma espetada na realidade. Eis o nosso redator-chefe!

Era muito bom estar com o Robinson, submerso ao éter alcoólico, à soberba dos bêbados, à honestidade dos gestos. Tem gente que provoca o nosso talento, seja este qual for, ou de que tamanho for, e ele sabia provocar como ninguém. Às vezes, chegava com uma ideia, entre uma cerveja e outra, e, mesmo parecendo durão, punha ali seus olhos ternos, sábios, perdoantes, de menino. 

Sei que deveria estar falando sobre a obra do Robinson, de sua contribuição à imprensa brasileira, à cultura popular – que conhecia como poucos – mas muita gente pode fazer isso com muito mais competência e, por isso, tomei a liberdade de homenageá-lo de uma forma menos formal, mais pelo risco mundano, perto do meio-fio.

E para não perder o fio da meada, lembro que, quando ele me encontrava, me provocava dizendo: - Você, um dia, ainda vai escrever uma crônica contando que eu dormi com o Laisinho (Lais Sá do Amaral Junior) na sua casa. E antes que algum desavisado possa pensar algo além do acontecido, explico: Robinson, Laisinho e outros amigos foram à minha casa, para festejarmos alguma coisa, da qual não me lembro agora. Não importa, a noite foi ficando alta, e altas, as almas dos convidados que foram tombando, um a um, em cada canto da casa. Pela manhã, quando todos acordaram, tapando a cara com a mão, para evitar a cortante claridade da ressaca, viram que lá estavam, dividindo um colchonete, Laís e Robinson. Daí surgiu a história nunca esquecida por ele que serviu para selar nossa amizade. 

Cheguei ao Robinson por intermédio do Sérgio Fonseca, que vivia nos dizendo que devíamos escrever e mostrar a ele para ver se os textos eram publicáveis. Assim o fiz e meus primeiros poemas foram publicados no Correio da Lavoura, de cuja redação guardo a lembrança do amigo a batucar sua Remington e a construir uma parte da história escrita da nossa cidade. Hoje posso me considerar uma pessoa orgulhosa por ter bebido dessa fonte de sabedoria inesgotável.

Poderia escrever mais sobre o Robinson, mas isso não caberia numa coluna. Agora vai ficar mais difícil desfiar o novelo. Não sei o que vou sentir quando estiver voltando da casa do meu irmão e der uma olhada nos bares onde ele costumava ficar, desconsolado com a realidade brasileira, extasiado com a música de Pixinguinha. Não importa, tomara que esqueça disso que escrevi e, sem querer, ainda incline o rosto no carro para vê-lo atrás de seus óculos deslizados até à ponta do nariz, tentando ler as últimas notícias do Correio.