Obituários

2. A notícia, aqui, da morte de Lúcio Mauro (92) e lá fora de Doris Day (97) foi de grande pesar para os admiradores da arte cênica. Lúcio Mauro, na TV sobretudo, e Doris Day, no cinema, marcaram os da minha geração em diferentes graus de intensidade. A partir dos anos 50, quando o cinema americano era o paraíso do nosso entretenimento, Doris Day marcou seu início de carreira como excelente cantora, entre as brancas – ela, Judy Garland, Anita O’Day, Rosemere Cleoney – que tiveram a incumbência de encarar as deusas do jazz Billlie Holiday, Ella Fitzgerald e Sara Vaughn. Não foi tarefa nada fácil, mas Doris revelou sua excelência num começo puramente musical, até explodir como atriz sedutoramente simpática especialmente em comédias românticas, em que a cantora invariavelmente socorria a comediante com o brilho de sua voz em cenas de humor.
3. Lúcio Mauro não era dos mais antigos. Muitos o precederam no rádio, no teatro de revista, no cinema. No meu caso, ainda deu para ouvir e ver comediantes que marcaram época na fase áurea do rádio e do cinema com suas chanchadas que fizeram rir algumas gerações que tiveram o prazer, a alegria de viver num tempo sem o ódio e a violência de agora. Mesquitinha, Colé, Mazzaropi, Oscarito e Grande Otelo, Lauro Borges e Castro Barbosa, Brandão Filho, Walter D’Ávila e sua irmã Ema, Berta Loran, Alda Garrido, Nádia Maria, Zezé Macedo, Violeta Ferraz e tantos outros mais. Até que chegamos ao reinado de Chico Anysio e Jô Soares, sucessores de notável talento da velha guarda e que ainda podem ser vistos em programas retrospectivos.
Lúcio era herdeiro dessa magnífica escola de comediantes de caráter histriônico, muitos de origem circense e que geralmente nos faziam rir através do gesto, da expressão corporal que nos remetia ao cinema mudo, obviamente chapliniano. Com a morte de Lúcio Mauro perdemos um dos últimos remanescentes de uma geração que teve a enorme responsabilidade de manter viva a tradição cômica da cena brasileira, como manifestação cultural da própria natureza moleque do brasileiro comum. Agora não dá mais. Perdemos a graça por completo, atropelados que fomos por uma realidade de muitos dramas e tantas tragédias.